Sentir o parque (uma outra cidade)

- Não deve nada ao Ibirapuera, disse um amigo.
Não, não é o Ibirapuera. Definitivamente. O clima é outro no Central Park – aquele cinturão verde encravado pelas mãos humanas bem no coração de Manhattan, “a ilha”. Não, não se trata de clima no seu aspecto meteorológico e sim em sua vertente sensorial. Claro que no Ibirapuera também há jovens sozinhas lendo velhos livros, senhoras olhando a paisagem, mães com seus filhos passeando, moças em corpos esculturais fazendo suas corridas matinais, casais de namorados em seus enlaces melosos, turistas com seus guias e mapas tentando se localizar, maridos e esposas com seus cães de todas as raças e tamanhos, árvores, belos gramados, sombra e sol. Nesse aspecto, realmente, talvez o Ibirapuera não deva nada ao Central Park...

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Um comentário:

Rodrigo Piscitelli disse...

- Não deve nada ao Ibirapuera, disse um amigo.
Não, não é o Ibirapuera. Definitivamente. O clima é outro no Central Park – aquele cinturão verde encravado pelas mãos humanas bem no coração de Manhattan, “a ilha”. Não, não se trata de clima no seu aspecto meteorológico e sim em sua vertente sensorial. Claro que no Ibirapuera também há jovens sozinhas lendo velhos livros, senhoras olhando a paisagem, mães com seus filhos passeando, moças em corpos esculturais fazendo suas corridas matinais, casais de namorados em seus enlaces melosos, turistas com seus guias e mapas tentando se localizar, maridos e esposas com seus cães de todas as raças e tamanhos, árvores, belos gramados, sombra e sol. Nesse aspecto, realmente, talvez o Ibirapuera não deva nada ao Central Park.
E se levar ao pé da letra, não deve mesmo. Não é, porém, questão de um ser melhor do que outro. A questão é: ante tantas semelhanças, como podem estes dois lugares serem tão diferentes? Terem climas tão distintos? Ora, ninguém pode estar no Central Park e contentar-se em sentir o mesmo que no Ibirapuera – e o contrário é perfeitamente válido, antes que qualquer antiamericanismo se manifeste da parte de alguém.
O Central Park é único. Como o Ibirapuera também o é. Como são o Retiro, em Madrid, a Recoleta, em Buenos Aires, e tantos outros parques urbanos espalhados pelo mundo. São únicos porque carregam em cada canto, em cada folha caída ao chão, as marcas, as cores, os cheiros, os sentimentos, as passagens, as vivências, as entrâncias da urbe que os cercam.
É por isso que olhar o Central Park e todas aquelas pessoas que passam às vezes apressadas, às vezes despreocupadas com o tempo, é lembrar de uma cidade que guarda em cada esquina um pouco de cada um. Sim, dizem que Nova York é a esquina do mundo. E é verdade, ainda que seja este um chavão. Afinal, onde mais você encontra um haitiano abrindo a porta de uma boutique qualquer da Quinta Avenida? Um etíope dirigindo um carro e saudando a América? Um camaronês que faz suas saudações numa língua africana qualquer para enaltecer a cultura negra de Salvador?
Como estar no Central Park e não ver ao redor os olhares de Woody Allen ou, quem sabe, dar de cara com um pequeno Stuart Little em apuros... Sim, porque Nova York é também isso: o brega e o chique, o requinte e o pop, o démodé e a última moda, o dejavú e a novidade, a modernidade e a tradição, a organização desorganizada (como não rir ou enlouquecer no trânsito que não respeita os sinais de “walk” e “don´t walk” justamente num país onde o respeito às leis é regra?). Nova York, ou simplesmente NY, é um completo paradoxo.
Como, talvez, também seja São Paulo com a “força da grana que ergue e destrói coisas belas”. E também Paris, Londres, Madrid, Nova Délhi... São cidades. Urbe. Polis. Estes locais aglomerados de pessoas, loiras, morenas, “red hair” (permitam-me uma licença poética para homenagear uma amiga), altas, baixas, gordas, magras, brancas, negras, alegres, sorumbáticas (outra licença poética, agora para homenagear um amigo).
Não, nenhuma cidade é igual à outra, por mais que tenham ruas, arranha-céus, carros (muitos carros), praças, parques, etc. No fundo, no fundo, quem tem alma para sentir a cidade percebe isso facilmente – sim, porque as cidades são entes vivos e precisam ser sentidas muito mais do que vistas.
Como não sentir a alma fervilhar diante do jornaleiro que, logo pela manhã, grita aos pedestres que passam apressadamente o seu tradicional “free sunday news”?; como ficar indiferente àquela figura enigmática que passa desfilando em seu colant rosa-choque marcado em sua pele negra, barba longa, óculos da moda com um grande aro branco, bolsa de grife e um sapato tão espalhafatoso como o restante?; como não parar para a foto com aquele gordo, negro, alegre, que quer apenas tirar uma foto?; como não se distrair com o cara do carro ao lado que, parado no semáforo, anuncia ao turista desconhecido: “the number one”? Como?
Realmente, estar no Central Park, em Nova York, em qualquer lugar, é muito mais do que estar num parque, numa cidade. DEVE ser muito mais do que isso. Experiências assim não podem ser reduzidas dessa forma. Não merecem ser reduzidas – não em almas caridosas com a vida. Porque para as outras, para aquelas que enxergam apenas árvores, lagos, trilhas e pessoas em mais um parque como qualquer outro; ruas, prédios e carros em mais uma cidade como qualquer outra, a vida é realmente uma chatice. CHA-TI-CE! Que me perdoem, então, os chatos, mas a vida exige que se vá muito além.

P.S.: ao amigo, antes que pense que suas idéias e comparações não foram compreendidas, foram. Isto é apenas uma “crônica da Big Apple”.

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