Santo! Santo! Santo!

Primeiro foi santo Ambrósio (ou sant´Ambrogio, em italiano). Depois, vieram santo Antônio, santa Reparata, são Marius, santa Giuliana Falconieri, são Marcos, santa Fina, beata Umiliana e tantos outros. Nunca, em toda minha vida, tinha tomado contato com tantos santos, santas e mártires como naqueles 15 dias na Itália.
Mais do que o aspecto meramente religioso, o que chamou a atenção em todos os encontros com ossadas, corpos e relíquias foram as histórias de vida. Afinal, santos hoje, homens e mulheres ontem. Histórias de fé e sacrifício, coragem e devoção. Histórias que remontam aos primórdios da Igreja Católica – o cristianismo foi aceito e a igreja devidamente oficializada após uma vitória do imperador Constantino 1º no ano 312 d.C.
Este é o caso dos mais emblemáticos (do ponto de vista visual) dos santos com que tive contato, santo Ambrósio. Bispo de Milão, ele nasceu em 340 d.C. e morreu em 4 de abril de 397. Enfrentou poderosos, deixou escritos que orientam a Igreja e guiam sua liturgia até hoje – é considerado, segundo pesquisei, um dos quatro doutores da Igreja, embora não saiba o que isso signifique. É venerado na cidade onde seu corpo repousa por ter supostamente livrado os locais de uma peste.
O corpo de Ambrósio hoje pode ser visto na basílica que leva seu nome, mais conhecida como Duomo de Milão. Está numa cripta de prata, ao lado dos mártires cristãos (também citados como santos em alguns escritos) Gervásio e Protásio, nascidos no século 2 d.C. e venerados pelo então bispo, que quis ficar sepultado ao lado deles.
Vestidos em trajes eclesiásticos ricamente decorados, os mártires com túnicas vermelhas e o santo com uma dourada, os corpos impressionam. Não estão propriamente incorruptíveis; são esqueletos, mas cuja presença é impactante. Ambrósio expõe no dedo anular dois anéis e guarda ainda seu cajado de bispo. Na cabeça, a mitra incrustada de pedras. (Apenas como informação, pois com estes não tive contato, os irmãos mártires são filhos de são Vitálio e santa Valéria. A história deles está ligada ainda a são Nazário.)



Santo Antônio, de Padova, é do ponto de vista religioso o mais venerado dos santos que encontrei. Sua basílica não deixa dúvidas sobre isso. Embora fique numa cidade bem menos visitada do que Milão ou Roma, por exemplo, o templo atrai fiéis de toda parte do mundo. Não estão ali para conferir a arquitetura ou a beleza artística do prédio; não, estão lá com um único objetivo: venerar o santo.
Como descobri durante a viagem, com raras exceções, corpos de santos são dilapidados. Há partes espalhadas por todos os cantos. São os relicários, com dentes, dedos, pedaços de ossos e tudo o mais. Assim, dizer que o corpo de santo Antônio repousa dentro de um túmulo de granito verde-escuro é quase uma figura retórica. Há ali mesmo, a poucos metros do corpo, atrás do altar (com acesso pago, registre-se), vários relicários com pedaços do padroeiro daquela igreja e de outros santos.
O túmulo fica na nave lateral esquerda (tendo o altar como referência). A decoração é suntuosa. No local, fiéis passam em silêncio. Alguns param e fazem rápidas orações. Todos, porém, repetem sistematicamente o mesmo gesto: colocar a mão naquela pedra gelada, mas de forte valor simbólico. Fotos são proibidas (eu não respeitei a norma). Ao lado do túmulo, um mural acumula imagens e recados de pessoas que tiveram graças supostamente atendidas pelo santo.
Ainda em Padova, está sepultado são Gregório Barbarigo, cardeal que viveu no século 17, canonizado pelo papa João 23 em 1960.



Na pequena e esplendorosa San Gimignano, no alto de uma montanha na Toscana, fica a casa de santa Fina, outra descoberta das terras italianas. Nascida em 1238, pouco se sabe a respeito desta jovem que viveu apenas 15 anos. Conta-se que era devota da virgem Maria. Ficou gravemente doente aos dez anos de idade - os relatos indicam uma possível tuberculose, que a paralisou gradativamente.
Fina teria recusado passar seus dias numa cama, tendo optado pela tábua de uma mesa. Perdeu os pais e manteve-se fiel às suas crenças. Sua devoção chamou a atenção dos moradores. Ela morreu em 12 de março de 1253, dia de são Gregório - de quem teria recebido uma mensagem dias antes da sua morte, numa visão. Rapidamente, sua fama de santa se espalhou, sendo venerada até hoje.
O ponto alto da veneração é sua casa, uma moradia rústica, sem nenhum sinal de riqueza. A fachada é de pedra, com uma pequena porta e um pequeno telhado de madeira protegendo a entrada. Ao lado, uma peça de cerâmica - desenhada de modo simples - traz uma imagem da santa e da cidade, conhecida por suas torres, além das datas de nascimento e morte da jovem. A modesta casa de número 2 fica no começo de uma rua de pouco movimento e acentuado declive no centro histórico de San Gimignano.



Em Florença, os relicários se multiplicam. Na Ospedale degli Innocenti, o mais antigo abrigo de crianças da Europa, um ossuário – inclusive com o crânio – traz a inscrição de S. Marius. Ao lado da Ospedale, na Basílica della Santissima Annunziata, igreja de fachada simples e interior ricamente decorado, descansa santa Giuliana Falconieri, religiosa dos séculos 13-14 até então desconhecida e incorruptível (quando o corpo é misteriosamente preservado). Um recado informa que, por precaução, o rosto deu lugar a uma máscara (muito bem feita, por sinal). As mãos, porém, são da própria santa (e é o que se vê do corpo, naturalmente).




Na Igreja de Santa Croce, está o corpo da beata Umiliana de’ Cerchi, uma religiosa que viveu no século 13 e de quem também nunca tinha ouvido falar, como tantos outros santos que encontrei pelo caminho.


No Museu dell´Opera del Duomo, a lista de relicários é enorme. Estão lá pedaços de ossos atribuídos a santos – como santa Ágata, san Girolamo, san Giusto, santa Reparata, san Simeone Stilita - e até são João Batista e apóstolos de Cristo, como são Felipe. Não falta também um pequeno pedaço de madeira que seria, na tradição cristã, da cruz em que Jesus foi crucificado.




Supostos pedaços da Santa Croce também estão em outros locais, como num relicário na Galeria dell´Academia, em Veneza, e num casarão em Lucca, onda aparece inclusive uma espécie de certificado – datado do final do século 19 - atestando quem um fio de veludo ali exposto pertenceu ao pano que supostamente cobriu o corpo de Cristo no sepulcro.



Santa Reparata, aliás, dava nome à igreja sobre a qual está erguido o atual Duomo de Florença, renomeado Santa Maria del Fiore. O templo original foi destruído na Guerra Gótico-Bizantina, em meados do século 6º. Sobre seus escombros, foram erguidas duas capelas. Até que elas deram lugar ao atual duomo. Os vestígios da igreja original - inclusive com o pedaço de uma escadaria - e das capelas estão embaixo do piso da atual basílica. Lá no sítio arqueológico, há ossadas empoeiradas com inscrições curiosas. Numa delas, “S. Benedicti”. Em outra, “caput S. Sisimi”. E numa terceira, “S. Angelix”.
Registros da história da cidade, da região, da igreja, do mundo. Registros de vida e morte, de homens e mulheres que viveram sua fé e, em razão dela, ganharam o “status” de santos, beatos, mártires. Amém.



Um comentário:

Anônimo disse...

Incrível! Muito boa essas fotos!

Que grande trabalho fizeste!

Estarei divulgando sua postagem com os devidos créditos, em meu blog.

Em Cristo,
Luciano Beckman.

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