Os cães são felizes na América!

Os cães são felizes na América. Viva a América, a terra das oportunidades (para nós e para eles). O renomado jornalista Gay Talese observou, anos atrás, a rotina dos gatos pelas madrugadas de Nova York. Eles, os gatos, não são tão privilegiados quanto os colegas caninos. Os cães, por exemplo, dispõem de parques para se divertir. Em Washington Square há um. Todo cercado com um material que lembra bambu, ele protege os cachorros ao mesmo tempo em que dá a eles a liberdade para correr, pular, brincar à vontade. Um parque exclusivo para os cães, onde os donos são coadjuvantes.
Imagine só. Fosse por aqui, já diriam: “Nossas cidades não têm parques sequer para as pessoas, como criar um parque só para os cachorros? Que despautério!”. E assim convivemos todos, homens e cães, dividindo espaços, levando mordidas, pisando em “cacas” que os donos, mal-educados, fazem questão de não limpar – ao contrário de lá, onde até ricos e famosos passeiam com seus cães carregando sacolinhas nas mãos para qualquer eventual emergência.
Sim, os cães são felizes na América. Se faz frio, eles são fortemente agasalhados. Ou, conforme a raça e porte, agasalham a si mesmos. Ou a dupla – de cães, frise-se! – flagrada nas frias ruas de Montreal num domingo de abril, descendo a rue Saint-Paul rumo à capela de Notre-Dame de Bonsecours, perto do Bonsecours Market, precisava de aquecedores? Os donos, estes sim, também naturalmente felizes com seus cães felizes na América, contraíam os músculos numa tentativa quase vã de espantar a baixa temperatura.


Chova ou faça sol, os cães estão lá, felizes. Estão na América. E os cães, lembre-se, são felizes na América. Passeiam seguros, só com seus donos ou em grupos de amigos, como crianças de um parque infantil indo para uma festa. Virou até profissão – passeador de cães. Sim, eles merecem, os cães. Um passeador que os leve para lá e para cá. Ele, o passeador, com bota plástica, boina estilo italiano, calça verde, camisa social, blusa despachada na cintura, traje tipicamente americano (ou italiano) – serão os cães felizes na Itália?
Porque sim, na América, os cães são felizes. Vão e vêm tranquilamente, ainda que seja uma tarde levemente chuvosa. Passam em frente ao Metropolitam Museum, ignorando que ali ao lado estão guardados verdadeiros tesouros da humanidade, mas ainda assim são felizes. Pelos devidamente aparados, brilhando, desfilam o charme e a elegância dos que sentem a felicidade bater no peito.


E no dia seguinte, quem sabe uma manhã de sol, ainda tímido, mas sol, querendo brilhar em Nova York, não seja a hora de um passeio pelo Central Park. O quê? Você leu Central Park, um dos pontos mais importantes da maior cidade dos Estados Unidos, um dos parques urbanos mais famosos do mundo, palco de tragédias e glórias? Sim, você leu Central Park porque, afinal, os cães são felizes na América.
Lá vão eles acompanhar seus donos numa caminhada errante, descompassada, num papo descompromissado (dos donos, não dos cães), em passadas calmas (dos cães e dos donos), a contemplar a paisagem do dia que apenas se apresenta. Nas mãos, um copo tipicamente americano (ou seja, grande), provavelmente de café. Nas cabeças, bonés. Nas pernas, calça térmica para suportar o friozinho de uma manhã dominical de abril, recém-entrada primavera. Blusas, óculos, fone de ouvido. Proteção e diversão. Para os donos. Para os cães, desta vez nada. Pelos à mostra, patas desnudas. Mesmo assim, os cães são felizes. Eles estão na América. E não se esqueça: os cães sempre são felizes na América.


Não, não tenha inveja deles, os cães. Eles não sabem o que fazem. Nasceram lá por acaso. O acaso os levou até a América. São tão inocentes e humildes que chegam a exibir a mesma cara lavada, perdida, triste até (tranquilize-se, é só aparência, mero e conveniente disfarce) dos colegas aqui do sul, os latino-americanos terceiro-mundistas (hã-hã, somos emergentes, não é isso?). Pergunte para os nossos cães.
Sim, eu sei, o mercado de “pet shops” cresce, crescem os cuidados, os gastos, animais cada vez mais bem aparados, mas repare: “pet shop”. Assim, em inglês. Sabe por quê? Talvez seja porque os cães são felizes na América...

PS: este texto deveria ter sido escrito a quatro mãos. Assim pensei, assim planejei. Não deu. Quem sabe numa próxima – as mãos que faltaram, desconfio, não gostam muito de escrever (nem de ler...).

Em tempo: o título desta postagem foi dado pelo amigo jornalista Carlos Giannoni de Araujo numa conversa informal durante uma viagem. Ele se encantou pelos cães da América, os que aparecem nas fotos e tantos outros encontrados pelo caminho. E constatou: “os cães são felizes na América”.

* A segunda foto é do amigo Cristiano Persona, que também se encantou pelo passeio dos cães em Nova York. As demais, como já ficou evidenciado, são do Carlos.

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