A bicicleta vai flanando lentamente e em segurança, sem ser
ameaçada por veículos motorizados. Ali de cima a visão é perfeita, e a
tranquilidade do passeio permite que uma das mãos acione sucessivamente a
câmera do telefone, registrando aquele impressionante pedaço de história.
As imagens são coloridas e fortes, há simbolismo para o
medo, para a opressão e para a morte, mas também para a liberdade e para a paz.
As cenas fotografadas e que podem ser vistas nesta página* compõem a East Side Galery, em Berlim, próxima ao centro da capital alemã,
passeio obrigatório para quem visita essa cidade imperdível.
O trecho preservado de 1,3 km do famigerado Muro de Berlim
(1961-1989) ostenta uma centena de trabalhos de artistas plásticos do mundo
todo e constitui uma das favoritas, entre tantas, atrações da cidade.
Mas não é possível prever por mais quanto tempo: uma
autorização preliminar para a construção de um condomínio de luxo, com 36
apartamentos e escritórios, ameaça o futuro de cerca de 30 metros da galeria a
céu aberto.
Em que pesem os inúmeros protestos e movimentos que lutam
contra isso, por enquanto ela está lá, firme e forte, prova cabal de que o
turismo de bicicleta em Berlim é o máximo.
Ruas planas e bem calçadas, praças amplas, poucos
automóveis, muitas faixas exclusivas e, sobretudo, gente educada para respeitar
o ciclista. Eis o que se encontra por toda a cidade, talvez a melhor do mundo
para se conhecer de bicicleta.
Não que outras cidades europeias não o sejam, mas, no caso
de Berlim, o que torna esse ato comezinho fantástico, além dos dotes
geográficos, é a história visível da própria cidade e a arte que se encontra em
suas ruas.
E há bicicletas para todo lado em Berlim, os moradores
locais as usam para tudo, apesar da excelente rede de ônibus, metrô e dos
simpáticos e coloridos bondes articulados. Na porta da maioria do bons hotéis,
há bikes para alugar, aos hóspedes ou a quem mais queira, por cerca de € 10 (R$
27) a diária.
E a bicicleta é sem dúvida o melhor ponto de observação para
essa cidade em perpétuo movimento, em que a história se refaz constantemente.
Seja para percorrer suas amplas avenidas ou as alamedas de
seu gigantesco parque, o Tiegarten, seja para ir de um marco histórico a outro.
Do portão de Brandemburgo à Alexander Platz, do boêmio bairro
Mitte à futurista Postdamer Platz ou ao Parlamento, sem nunca conseguir evitar,
nem que se queira, as recordações do pesadelo nazista por conta da sucessão de
marcos, como o monumento às vítimas do Holocausto.
Este é o carma dos alemães desde 1945: lembrar para não
esquecer.
Por isso, não deixa de ser um paradoxo a ameaça que paira
sobre o único grande trecho preservado do famoso muro, que ostenta a East Side
Galery, que fica na Mühlenstrabe, próxima ao Kreuzberg, também conhecido como
"bairro turco".
Fonte: Luiz Caversan, “Folha de S. Paulo”, Turismo, 20/6/13.
* O texto está tal qual no original, porém as fotos são minhas
Em tempo: não costumo publicar textos de terceiros neste blog, salvo raras exceções. Esta é uma delas: quando me deparei com o tema nesta quinta-feira (20/6) no jornal, não pude resistir à descrição perfeita do que vi e senti quando lá estive há pouco menos de um mês.
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