Li dia desses que Salvador (BA), a
primeira capital brasileira, quer repatriar os restos mortais de Thomé de Sousa,
aquele que pode ser considerado o primeiro “presidente” do Brasil (na época, o
cargo era de governador-geral). Fui atraído para esta notícia
unicamente pela minha paixão por história. Quando a li, porém, um detalhe chamou
minha atenção: o local onde estão atualmente os restos mortais de Sousa - Vila
Franca de Xira. Este é o nome da cidade onde repousa, praticamente de forma
anônima, uma figura importante para nossa história.
Pouquíssimas pessoas ouviram falar alguma vez de Vila Franca de Xira, em Portugal. Daí um certo “desprezo”
histórico com a figura do primeiro governador-geral do Brasil. Eu mesmo só fui
ouvir falar daquela cidade em 2005 quando lá estive. Isto mesmo: passei sete
dias em Vila Franca de Xira.
É curioso como o destino nos
leva para certos lugares. Já relatei como a vida me fez estar duas vezes em Atlanta (EUA). Embora seja por motivo distinto, foi também o acaso que me levou a Vila Franca
de Xira. Viajava com um casal de amigos pesquisadores pela Suíça, Alemanha e
Portugal em busca de documentos sobre a emigração para os cafezais do Brasil no
século 19, mais precisamente para a região de Limeira. Durante o trajeto de um
mês pela Europa, alternamos a hospedagem em hotéis e na casa de conhecidos.
Em Portugal especificamente, nosso contato era justamente um dentista de Piracicaba que morava há cerca de vinte anos em Vila Franca de Xira. O nome dele é Rui. O sobrenome desconheço. Nenhum de nós jamais o tinha visto – fomos “apresentados” a ele por um amigo em comum, de Limeira. Na verdade, este amigo limeirense era conhecido do pesquisador a quem eu acompanhava – eu mesmo não conhecia nem um nem outro.
Em Portugal especificamente, nosso contato era justamente um dentista de Piracicaba que morava há cerca de vinte anos em Vila Franca de Xira. O nome dele é Rui. O sobrenome desconheço. Nenhum de nós jamais o tinha visto – fomos “apresentados” a ele por um amigo em comum, de Limeira. Na verdade, este amigo limeirense era conhecido do pesquisador a quem eu acompanhava – eu mesmo não conhecia nem um nem outro.
Assim fomos parar em Vila Franca
de Xira. Chegamos à cidade à noite e pelo que havia sido combinado o dr. Rui
nos esperaria em seu apartamento. Ele morava num condomínio que ficava ao lado
de um hotel, ambos de uma mesma empresa (de modo que era permitido aos
moradores tomar café da manhã no hotel). Os toques no interfone foram
seguidos de silêncio. Certamente dr. Rui não estava. Fomos nos informar na
recepção do hotel e confirmaram que o tal doutor morava lá. Menos mal. Aliás, ele pareceu
ser bastante conhecido dos funcionários, que chegaram a indicar um possível
motivo para a ausência dele naquele momento.
Não nos restava alternativa
que não fosse esperar. Longos e tensos minutos. Será que ficaríamos ao relento,
sem abrigo na primeira noite em terras portuguesas? Demorou um pouco, mas dr.
Rui chegou. Devidamente apresentados, ele logo se mostrou prestativo ao
disponibilizar uma cópia das chaves do apartamento para os
visitantes-intrusos-desconhecidos. Detalhe: até então ele sabia que hospedaria
apenas um casal. A presença de uma terceira pessoa – eu – foi surpresa.
O dr. Rui não hesitou em
manifestar que tinha um quarto sobrando e colchões à vontade para que eu também
me hospedasse ali. Explicou que sairia bem cedo todos os dias e voltaria tarde
da noite, de modo que praticamente não nos veríamos (o que de fato ocorreu). E fez
questão de nos deixar à vontade para usar o apartamento, em especial os banheiros (o
que incluía os acessórios, como toalhas, etc) e a cozinha (inclusive os itens
da geladeira). Foi, de fato, um anfitrião gentil – o que retribuímos
oferecendo-lhe um jantar e um presente numa noite de quinta-feira após “reservar”
algo como duas horas na agenda dele.
Pelo que soubemos, dr. Rui tinha
ido tentar a vida em Portugal durante a crise dos dentistas. Faltavam
profissionais no país e muitos brasileiros viram nisto uma oportunidade. Foi
uma verdadeira “invasão” 500 anos após a chegada dos portugueses na Bahia que recebeu Thomé de Sousa. O piracicabano se estabeleceu em Vila Franca de Xira, onde tinha muitos clientes. Conseguira
algum dinheiro (o apartamento era grande, três quartos, uma suíte, mas
praticamente desprovido de móveis – o quarto que eu ocupei tinha, além dos
colchões, apenas um guarda-roupa embutido). Não me lembro de nenhum outro
detalhe a respeito da história do dentista que nos abrigou.
Todos os dias, logo cedo, fazíamos
o trajeto de 32 quilômetros que separa a cidade da capital Lisboa. Apenas em
uma ocasião saímos para dar um passeio em Vila Franca de Xira. Vimos uma cidade
relativamente pacata, como um município pequeno do interior do Brasil. Bem
estruturada, tinha um comércio básico (pequenas lojas, bares, mercados), nada
de grandes magazines.
O apart-hotel onde dr. Rui
tinha seu apartamento ficava à beira do estuário do famoso e histórico rio Tejo,
nas margens da Estrada Nacional 1 (ou simplesmente A1), perto da
ponte Marechal Carmona. Lembro-me que para chegar até lá, vindos de Lisboa,
passávamos por um posto de combustíveis, uma concessionária de veículos Peugeot
e um supermercado da rede Intermarché - que frequentávamos. Logo ao lado ficava
o Lezíria Park Hotel, com o hotel à direita e os apartamentos residenciais no
prédio à esquerda.
A paisagem ao redor não era
muito convidativa a passeios. Lembro-me que tentei, sem sucesso, observar o
Tejo de algum ponto mais próximo. Recordo-me também que as calçadas eram um
tanto precárias, lembrando muitas cidades litorâneas brasileiras, com trechos
de areia, pedras e mato. Tenho em mente uma “rotunda” (rotatória em português de
Portugal) próxima e, por fim, um dos pontos turísticos da cidade, a praça de
touros, onde ocorriam as touradas - Vila Franca de Xira é conhecida por um festival
desse tipo de “esporte”.
A única foto que eu
guardo da cidade é da pracinha onde fica a Estátua do Campino, um orgulho local diretamente ligado à tradição das touradas. Fica na rua Luís de
Camões, bem ao lado dos Correios, nosso destino na ocasião.
Um dia, quem sabe, eu volte a Vila Franca de Xira –
tal como ocorreu com Atlanta. Afinal, ninguém sabe o que o destino nos reserva...
PS: esta postagem serve de agradecimento público ao dr. Rui.
* As demais fotos desta postagem foram capturadas via Google Street View
* As demais fotos desta postagem foram capturadas via Google Street View
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