Pela janela

Viajar não é apenas conhecer pontos turísticos e cidades famosas. Entre uma atração e outra, há uma infinidade de possibilidades que merecem ser observadas e eventualmente vivenciadas, basta ser um turista atento. Nas ruas, caminhando, haverá pessoas com seus modos de ser e de viver que dizem muito sobre a cultura do local onde você está. O mesmo vale para placas de trânsito, fachadas de lojas, monumentos, etc.
Quando você está no metrô ou faz um percurso entre cidades também há muito o que ver. Basta olhar para dentro (no caso de transporte coletivo), onde haverá outras pessoas ao redor, e para fora (no caso de qualquer meio de transporte). A janela é a luz do mundo, a porta que o liga ao infinito de um determinado lugar, por mais paradoxal que isto possa soar (e efetivamente é se não se considerar o sentido poético das palavras).
Ser observador, portanto, é essencial. As estradas, por exemplo, ajudam a contar a história que você constrói do lugar durante uma viagem. Se estiver em outro país isto fica ainda mais evidente. Além da história, da sua história com aquele lugar e do que aquele lugar conta do país, é possível que você se depare com paisagens belíssimas, coloridas, penetrantes.
Em meus últimos passeios, por exemplo, cruzei com uma infinidade de cores. Num trajeto de ônibus rumo ao interior do Canadá, a janela me mostrou uma sequência de casas majestosas, pequenas chácaras de recreio, de fazer inveja a qualquer um. Paisagens bucólicas no meio do nada, ou de um manto verde recheado de árvores frondosas, vez ou outra cortado por pequenas flores amarelas. Tapetes verdes que são, campos de golfe que viram.



  


Um pouco mais adiante, surgiram grandes plantações de uma árvore relativamente miúda, com flores lilases, que formavam um cenário encantador. Quilômetros de plantações. Árvores semelhantes, mas com flores brancas, também apareceram, mudando momentaneamente o tom da paisagem na região vinícola do país. E não citei ainda as cerejeiras – que, embora em menor número, nada deixaram a dever em beleza e encanto. 
E nem falei do relógio de flores porque este sim é uma atração turística e, portanto, foge à regra proposta no texto.






Olhar pela janela do carro na Europa também traz surpresas. Pelo que se vê e pelo que é escondido (ou efetivamente não existe). Chama a atenção, por exemplo, a ausência de indústrias às margens das rodovias alemãs no país mais industrializado do continente e um dos mais industrializados do mundo. Você anda por centenas de quilômetros e as empresas são raras, por vezes inexistentes mesmo.
Mas as flores amarelas, que dão uma cor toda especial às plantações, estão por toda parte. Um mar de flores, um verdadeiro tapete amarelo que, ao se encontrar com o gramado esverdeado, forma um belo contraste visual e remete às cores da nossa bandeira, do nosso Brasil. É como se fossem os belíssimos campos de lavanda franceses, mas no lugar do lilás, o amarelo.
A primeira plantação surge e você se encanta e se agita. E logo vem outra e depois outra e outra e outra de modo que a exceção vira regra. E as flores dominam a paisagem às margens das autobahn, as famosas rodovias alemãs. E não só na Alemanha, mas também na República Tcheca, Áustria, Hungria... E no meio delas brotam algumas casas, formando um vilarejo qualquer, causando uma sensação gostosa de “queria viver ali” – e você então lembra que naquelas casas há pessoas e que aquela gente tem seus afazeres como um cidadão qualquer em qualquer lugar do mundo.







Vez ou outra surgem resquícios de um antigo castelo, entregando a presença humana, as marcas de um passado distante, rico, cuja história ficou gravada nas pedras e, quem sabe, em algum livro. Castelos sobre os quais você provavelmente nada sabe, e talvez nem nunca saberá, mas de alguma forma eles farão parte da sua história, ou da história que você estará escrevendo da sua viagem.



Para isto, é preciso olhar pela janela. Não reclame dos quilômetros a percorrer nem das distâncias que o separam do seu próximo destino. Relaxe e aprecie a paisagem. Lembre-se que você está fazendo algo agradável para os olhos e para a alma. Se estiver acompanhado, troque ideias a respeito do que vê (eu, por exemplo, estava com mais quatro pessoas e ficamos o tempo todo buscando decifrar o que eram aquelas quase onipresentes flores amarelas, as pequeninas flores amarelas que nos seguiam).
E nem vou dizer das montanhas alpinas com seus topos cobertos de chantilly, ou melhor, de neve, porque tamanha é a beleza do cenário que foi necessária uma postagem exclusiva.



Ah, não se esqueça das placas: elas ajudam a entender a geografia do lugar, desenhando um mapa mental, permitindo que você “ouça falar” pela primeira vez de cidades que desconhecia – e que muito provavelmente não passarão de um nome, mas que eventualmente podem aparecer no noticiário por um motivo qualquer e você irá exclamar: “Eu sei onde fica!”. Ou se for um pouco mais abusado: “Eu já passei por lá!”.
Ou, na mais simples das hipóteses, poderá se divertir com os nomes, principalmente se estiver em países com línguas diferentes da nossa. Nós – os quatro que me acompanhavam e eu – brincamos de criar referências em português para as palavras das placas. Assim, a húngara Komárom, cidadezinha às margens do rio Danúbio, virou Camarão. Sei, parece infantil, mas lembre-se: você está viajando – e viajar implica divertir-se, ainda que seja com uma brincadeira aparentemente tola.
Por fim, não ignore o céu – e o sol e a lua e tudo o mais que lá existir. Você poderá ver num dia de chuva uma bela paisagem, ou ainda ser agraciado com a beleza indescritível do entardecer e os raios de sol contornando as nuvens com seu furor já alaranjado.
Quando viajar, portanto, não durma durante os deslocamentos. No ar, em terra ou no mar, a natureza e a mão do homem poderão lhe presentear com surpresas inesquecíveis. Raras, comuns, perenes ou momentâneas, para você serão únicas. Porque serão parte da história da sua viagem. E da sua vida. Então, abra os olhos e mire ao redor. Lembre-se: a janela é apenas o meio pelo qual o mundo vai se apresentar a você.



Em tempo: quis fazer uma aparte nesta postagem para falar da República Tcheca. Não que a paisagem do país seja tão diferente das demais citadas no texto (ou de qualquer outro lugar). É que a sensação que tive foi mais profunda. Partindo da Alemanha, era a primeira fronteira que eu cruzava por terra na minha mais recente viagem.
A divisa entre os dois países é marcada por uma ponte sobre o rio Schönwalder Bach (só por curiosidade: a ponte fica na rodovia E 55 – A17 do lado alemão e D8 do lado tcheco – e tem 430 metros de extensão e 56,37 metros de altura; a construção durou dois anos). Logo adiante, uma cadeia de montanhas. E é no meio delas que surgem os primeiros vilarejos.
A vista é espetacular! Lembro bem de ter expressado que a paisagem era linda assim que entramos na República Tcheca. Dali até a região de Teplice, no planalto do rio Bílina, você corta alguns vilarejos, com não mais que duas ou três dezenas de casas e a tradicional igreja de torre única, cujos traços arquitetônicos se repetirão pelas demais igrejas em todo o país.
E não faltarão campos de flores amarelas nem castelos no horizonte.









   

PS: e nem falei das plantações de ventiladores (as torres eólicas) e de espelhos (os paineis de energia solar)...

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