Numa noite de inverno...

The streets are very dirty
Me shoes are very thin
I have a little pocket
To put a penny in

If you haven't got a penny
A ha'penny will do
If you haven't got a ha'penny
Then God bless you

A soul cake, a soul cake
Please, good missus, a soul cake
An apple, a pear, a plum or a cherry
Any good thing to make us all merry

(“Soul Cake”, de Elena Mezzetti e Noel Paul Stookey)


Uma única trilha sonora me veio à mente. Uma trilha capaz de se materializar em forma de imagem. “If on a winter night”, talvez o álbum mais introspectivo de Sting. Já ouvi as faixas diversas vezes e sempre tive os mesmos sentimentos, uma certa melancolia pontuada por uma certa paz interior. Foi o mesmo que senti ao me deparar com aquela primeira visão do Canadá, ainda do alto, aquela grande planície branca pontuada por tons escuros das casas e ruas, culminando com a pista toda esbranquiçada do aeroporto.
No inverno dos países mais ao norte, há um convite intrínseco à depressão. Não exatamente a doença definida pela medicina; refiro-me a um toque de depressão tal qual uma cereja num bolo, um detalhe como parte de um todo significativamente maior. Pouco preciso, eu sei, mas é algo sensível, portanto difícil de definir. Não se trata de uma depressão que beira a tristeza, mas que pede por vezes silêncio e imersão.
Talvez – ou muito provavelmente – esta sensação seja reforçada pelo recolhimento forçoso das pessoas em razão das baixas temperaturas. O inverno é fogo! Embora haja movimento nas ruas, certamente ele é bem menor do que nos dias de primavera e verão. Movimento, é bom registrar, em áreas mais populares de grandes centros. E só. O resto é mesmo silêncio.
O inverno, porém, tem seu charme. Para Sting, “é a estação da imaginação, pelos mistérios de sombras e neve, pelos rigores do frio, pela representação do nada em relação à primavera”, registra o português “Diário de Notícias”. Interessante a oposição à vibração e ao colorido da primavera. Apropriada a menção aos mistérios das sombras. Elas de fato existem, tal como fantasmas, mas só existem porque junto do frio há o sol. Somente ele, gerador de calor e vida, é capaz de criar projeções silenciosas sobre a neve. Tal como se quisesse dizer – ou gritar: “Eu estou aqui!”. Tal como se quisesse lembrar que, embora a neve seja capaz de esbranquiçar de modo predominante a paisagem, apenas ele, o sol, pode garantir a luz que faz o gelo brilhar.
Para ser justo, não só ele. Embora não tenha capacidade de produzir sombras, a lua e as estrelas também dão à noite seu brilho. “O gelo brilha como a noite e é só o vento lá fora...”, anotei no meu diário enquanto o trem rasgava a paisagem inerte. “Oh, the snow it melts the soonest when the winds begin to sing” (e “a neve derrete mais rápido quando os ventos começam a cantar”, ensina Sting). Quanta coisa são capazes de produzir a neve, o sol e a lua!





É rigoroso, contudo, o inverno nas áreas próximas aos polos, como o Canadá. O recolhimento convida à solidão e nada a representa com maior eficiência do que os bancos vazios dos parques públicos, outrora repletos de casais apaixonados, pais com seus filhos brincando, jovens lendo ou apenas descansando. Agora eles estão assim, entregues à própria sorte, tomados pela espessa camada de gelo, em alguns pontos frágil como cristal, em outras dura como diamante.
Estão lá, aos montes, fazendo-se companhia, apenas aguardando o tempo passar e uma nova estação surgir. Aí o gelo vai derreter, as pessoas voltarão e tudo será diferente. Os bancos não mais se sentirão inúteis – coitados, talvez não saibam como eles são capazes de enriquecer a paisagem ali, parados, solitários. Estarão, na nova estação, repletos de vida.


 





Numa noite de inverno, o cardápio de sentimentos é extenso e diverso. Diferente dos dias quentes, é verdade, mas não pior nem melhor. Apenas diferente. “If on a winter night”...


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