Eu já havia ouvido falar que
a cidade de Las Vegas brilhava tanto à noite que era o único ponto do planeta
visível do espaço. Não sabia que seu brilho também impedia a noite de anoitecer
ao seu redor.”
Dodô Azevedo, “Fé na Estrada”
(p. 201)
Minha segunda passagem por
Vegas, como é intimamente chamada, deu-se quase ao acaso. O roteiro que eu
organizava para uma viagem de trinta dias pela Costa Leste dos Estados Unidos e
o Canadá tinha alguns dias vagos. Comecei, então, a buscar possibilidades de
destinos nos sites de companhias aéreas de baixo custo (as “low cost”). A
escolha se daria com base em duas questões: o melhor preço e horário.
A partida seria
necessariamente do Canadá – Toronto ou Montreal. O destino seguinte seria
Chicago (EUA). Entre uma cidade e outra, um ponto de parada possível. Consultei
algumas opções, todas com preços exorbitantes. De repente, Las Vegas me veio à
mente. “Uma loucura”, pensei. “Está do outro lado do país. Impossível!”,
conformei-me. Não custava, porém, checar. E a velha máxima do sonho americano
se apresentou: a terra das oportunidades indicou um voo baratíssimo para Vegas,
com ganho de tempo (afinal, o fuso horário iria baixar).
Parecia incrível, mas era
mais barato ir de Montreal para Vegas e de lá para Chicago do que ir
diretamente de Montreal até Chicago, que estão praticamente grudadas uma à
outra. Faltava só uma consulta: “Que tal conhecer Las Vegas?”, perguntei, via
mensagem de celular, ao amigo que me acompanharia. A resposta veio rápido,
curta e objetiva: “Tô dentro!” E assim fomos parar em Vegas.
“La Vegas é o lugar mais
barato do mundo para se hospedar. Os hotéis são malandros: te colocam em suítes
bacanas por um preço camarada, desde que você gaste todo o seu dinheiro nos
cassinos. (...) observei, sem surpresa, a cidade escorrer pelo vidro da janela:
onde terminava um letreiro começava outro - um filme que já havia visto várias
vezes no cinema. Imagens que o mundo inteiro já viu. Rapidamente concluí:
ninguém vê Las Vegas pela primeira vez. (...)
Paris, Roma, Tóquio, Nova
York, praias francesas, gôndolas venezianas, a muralha da China, as pirâmides
do Egito, a Esfinge. Tudo artificial. A verdadeira obra humana. (...) Estar lá
era estar em todos os lugares ao mesmo tempo.”
Como disse, seria minha
segunda passagem pela cidade, mais uma vez uma estadia rápida. Estivera lá em
dezembro de 1999 após uma experiência interessantíssima: cruzar de carro o deserto
de Nevada. Chegamos no início da noite, hospedamo-nos no MGM Grand e partimos
na manhã seguinte. Tempo suficiente para sentir na pele, literalmente, a
eletrizante Las Vegas.
A cidade que nunca dorme, que
convida para a jogatina e a libertinagem, com atendentes dos cassinos
desfilando de maiôs e patins, novas e velhas, senhoras e senhores de longos
vestidos, casacas e chapéu, elegância e exuberância expostas na reluzente
cidade que pode levar à glória ou à ruína em um instante (ou uma jogada).
Vegas, em 1999, estava no auge. Tantas luzes, tanta energia que tomávamos
choque a cada toque – de uma pessoa na outra, no elevador e onde mais
encostássemos. Uma cidade lotada, agitada, movimentada.
Foi este o cenário que
“vendi” ao amigo que me acompanhava. Não foi, porém, o que encontrei. Sim, Vegas
estava lá, com todas as suas luzes e o convite indisfarçado ao jogo e ao sexo. Aparentemente,
a cidade exibia o mesmo brilho de 13 anos atrás. Algo, porém, destoava. Havia
um clima estranho – logo imaginei ser reflexo da aguda crise econômica que
atinge os EUA desde 2008, o que acabou parcialmente confirmado pelo taxista (“agora
está tudo bem melhor”, disse ele).
Durante o dia, o calor
infernal de Vegas marcou presença, bem como as conhecidas ofertas de garotas de programa. “Na terceira esquina, uma mulher linda e muito bem-vestida, com um
espetacular sutiã fosforescente de renda, me abordou sorrindo e me deu um
cartão. Nele, havia uma linda oriental com os seios de fora deitada de barriga
pra cima em uma pequena piscina de plástico azul onde se lia: '24 hours free 7
days Introduction - No obligation - Specializing in HOT One on One Action
Satisfaction Guaranteed Direct to you in 20 minutes or less".
(...) Dei mais dois passos e
em outra esquina mais uma mulher linda e vestida de coisas que brilham no
escuro me deu outro cartão. Nele, anunciava-se: Sasha - $ 49.
Sasha estava de quatro, mas
também de lado, numa posição conservadora, vestindo um baby-doll rosa.
(...) Foi na rua principal de
Las Vegas que tive a visão mais romântica de minha vida: nas calçadas, cafetões
discretos misturados a famílias inteiras, lindas, juntas, em paz, passeando
encantadas com as pirâmides do Egito, a Torre Eiffel e o chafariz colorido.
(...) O calçadão de Las Vegas Boulevard de madrugada era lindo. Prostitutas
elegantemente maquiadas. Tão bonitas. Mas a maioria das pessoas que lotava as
ruas como se fosse oito da noite e não uma da manhã, como se fizesse 20º ao
invés de 41, era de casais.”
As ruas estavam relativamente
cheias. Cruzamos a pé vários quilômetros pela Las Vegas Boulevard entre o MGM,
mais uma vez o meu hotel, e a Stratosphere – o hotel-cassino em formato de
torre que possibilita uma vista magnífica da região. Enquanto subíamos, a tarde
começava a cair. No elevador, o tradicional “Where are you from?” disparado
pelo ascensorista e seguido de um “Brrrazilll” trouxe a revelação: “Então vamos
parar logo de putaria e falar em português”, anunciou solenemente o rapaz de
forte sotaque nordestino, mais um imigrante correndo atrás do sonho americano.
Lá do alto, Vegas se revelava
tal qual eu havia descrito ao meu amigo: “uma longa avenida cheia de cassinos e
nada mais”. Foram apenas cinco minutos nas alturas. Tínhamos um longo caminho
de volta - a Stratosphere fica longe da parte tradicional da cidade e não sei
se vale a pena perder tempo indo até lá. Como pretendíamos assistir a um
espetáculo do Cirque du Soleil no MGM, não restou alternativa a não ser
apressar os passos. Acelerar. Correr. E assim me peguei, como um louco
fugitivo, disparado em meio ao turbilhão de gente que ia e vinha, subindo e
descendo escadas-rolantes, escadas tradicionais, de um lado a outro da avenida.
Suado, cansado, sedento, irritado, porém feliz. A noite estava só começando...
Para minha surpresa, as ruas
foram se esvaziando conforme as horas avançavam. Nos cassinos, espaços vazios e
máquinas ociosas. Um certo desânimo pairava no ar. Àquela altura, Vegas
tornara-se mesmo uma decepção. Ainda arrisquei perder cinco dólares (o limite
que me permiti gastar) nas máquinas de apostas. Ganhei alguns centavos, que me
deram direito a mais algumas jogadas. No fim, um voucher no valor de um dólar,
que preferi guardar como souvenir.
Na manhã seguinte, comentei
com o taxista que nos levou ao aeroporto que achara a cidade muito vazia, bem
diferente daquela noite de treze anos atrás. A justificativa dele era que se
tratava de uma terça-feira, dia de “ressaca” após o movimento do fim de semana.
Podia ser. O fato é que Vegas não deixou muita saudade. Rapidamente passou do
estímulo (“todo mundo tem que vir pra cá um dia”, cheguei a pensar durante a
tarde ensolarada) ao desencanto (“não é a mesma Las Vegas que eu conhecera em
1999...”).
Decidi, então, perguntar ao
meu amigo se tinha valido a pena tanta correria (e um longo voo) para tão
poucas horas na terra dos cassinos. “Opa!”, respondeu com entusiasmo. Agora eu
estava plenamente feliz. Tinha cumprido meu papel e feito jus ao famoso
letreiro que se vê na chegada à cidade: “Welcome to Las Vegas!”
* Os trechos entre aspas são
da mesma obra citada na introdução da postagem, páginas 205, 7-8.
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2 comentários:
Eu acho que Las Vegas é mais bonita. Sua beleza arquitetônica não é comparado a outros lugares. Exceto as obras de Gaudí.
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