Carnaval abaixo de zero

Esqueça tudo o que você já ouviu falar sobre carnaval. Clima quente, fantasia, samba. Fui conferir um carnaval diferente, lá em Quebéc, no frio Canadá.
Caminhar com os skis é uma diversão para a criançada. Tem também roda-gigante. E quando chega o patrono da festa... é uma festa! O nome dele é Bonhomme, que significa bom homem. “Hello everybody from Brazil!” Ele diz que sua função principal é convidar as pessoas para o Carnaval de Inverno. A festa comemorou 60 anos em 2014. Quando eu perguntei pelo bolo de aniversário, ele brincou: "Está bem atrás de você, a neve!".






São 300 atividades na programação. A pescaria à moda canadense reúne a família. Ali mesmo o peixe vai pra churrasqueira. "É a nossa refeição", diz a mãe, "e a gente se diverte fazendo isso". Eu tive que provar.





Uma das atrações mais concorridas é a descida na rampa de gelo. Os turistas franceses preferiram a piscina. Aquecida, claro! Eles disseram que é bom pra circulação e que o frio deixa a temperatura da água mais gostosa.



Uma das principais atrações do Carnaval de Quebéc é a exposição de esculturas de gelo. Na verdade uma competição. Artistas de vários países são convidados para ir até lá todos os anos fazer suas obras de arte. Os desenhos vão nascendo a partir de um único bloco de gelo. É preciso mãos hábeis com a espátula. O trabalho chega a durar cinco dias. “Se você faz algo mais simples não é muito difícil, mas quanto mais difícil você planeja, mais difícil é executar”, diz o escultor Donald Watt.
As esculturas prontas são um espetáculo.











Tem ainda um castelo feito com 300 toneladas de gelo. É a sede oficial do carnaval. 



“É um carnaval que dura 17 dias, e é assim, gelo! Eu não vi nenhuma mulata ainda, acho que nem vou ver...”, comentou o astrônomo Vinícius de Abreu Oliveira. O que mais se aproxima do nosso carnaval é o desfile de rua, à noite.









Apesar do frio, as estudantes brasileiras gostaram. “Tem muitas atrações interessantes, você paga uma taxa só e pode ir em vários brinquedos, é bem legal”, falou Victoria Dessaune. “A gente adorou, a gente desceu o escorregador ali, mas está muito frio, a gente não tá aguentando ficar aqui”, citou Gabriela Mafra.
E com quinze graus negativos, o sol serve mesmo pra colorir o entardecer.



* Texto de reportagem original produzida para o "Jornal da Cultura". Ela pode ser assistida a seguir:

Uma ponte de água para o mundo

O Panamá é conhecido em todo o mundo por causa do seu canal, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. Em 2014, o canal vai comemorar cem anos de operação, mas sua história é bem mais antiga.
Uma obra gigantesca, exemplo da engenharia. O canal do Panamá levou dez anos para ser construído. Ficou pronto em 1913, mas a primeira travessia só ocorreu em 1914.
A ideia de abrir um canal vem do século 16, quando os espanhois começaram a colonizar a região. Vasco Nuñes de Balboa, o primeiro a atingir a costa do Pacífico, em 1513, viu que apenas uma pequena porção de terra separava os dois oceanos. Em 1534, o então imperador da Espanha, Carlos 1°, ordenou por decreto que se fizessem estudos para abrir uma ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Estes primeiros estudos são bem próximos do atual traçado do canal.
Para unir os mares, era preciso dividir o continente. E no meio do caminho havia um povoado: o Panamá. Libertado do domínio espanhol em 1821, o lugar era território da Colômbia no início do século 20. A localização estratégica chamou a atenção das potências mundiais. A França foi a primeira a se arriscar. Em 1878, Ferdinand de Lesseps, responsável pela construção do canal de Suez, na África, teve autorização para a obra.
Os trabalhos começaram em 1880. O projeto previa a construção de um canal no nível do mar, um erro de engenharia, segundo os estudiosos. Isto exigia, por exemplo, drenar parte do rio Chagres. Outros obstáculos surgiram. Tempestades seguidas de enchentes e desmoronamentos, o forte calor, a floresta densa e as doenças tropicais, como malária e febre amarela, causaram a morte de cerca de 22 mil trabalhadores. Perto do canal, ainda é possível ver o cemitério francês onde parte dos trabalhadores foi enterrada.
Em 1889, a companhia faliu, causando prejuízo aos acionistas e uma crise econômica na França. Lesseps foi acusado de má administração da obra, má gestão financeira e corrupção. Ele chegou a ser condenado a cinco anos de prisão, mas não cumpriu a pena em razão da saúde frágil. Apesar do fracasso, Lesseps é lembrado no Panamá com uma estátua na praça da França, uma homenagem aos primeiros construtores do canal.
  





Quem executou de fato a obra foram os norte-americanos. E isto mudou o destino do então território. O país conseguiu a sua independência por causa do canal. Quando os norte-americanos decidiram assumir a construção no início do século passado, fizeram um acordo com a Colômbia para poder tocar a obra. Mas este acordo não foi aprovado pelos senadores colombianos. Segundo conta a história, os Estados Unidos pressionaram os panamenhos para que eles se libertassem.
O Panamá declarou a sua independência da Colômbia em 3 de novembro de 1903. Poucos meses depois, em fevereiro de 1904, assinava com os EUA um acordo para a construção do canal. Este acordo deu aos EUA controle sobre toda a chamada zona do canal por tempo indefinido.
A construção do canal custou aos americanos US$ 375 milhões. Quarenta milhões foram pagos à companhia francesa que tinha iniciado o projeto. O Panamá recebeu dez milhões, além de uma renda anual de US$ 250 mil.
Foi uma das maiores obras da época. Ela exigiu a retirada de 153 milhões de metros cúbicos de terra, quantidade suficiente para dar a volta ao mundo quatro vezes se fosse colocada numa locomotiva. A obra ficou pronta em outubro de 1913, mas as atividades comerciais só começaram em 15 de agosto de 1914. O vapor Ancón, carregado com cimento, inaugurou oficialmente a travessia.
O destino do canal só foi revisto em 1977 pelo tratado Torrijos-Carter, uma referência aos dois presidentes que o assinaram, o panamenho Omar Torrijos e o americano Jimmy Carter. Pelo acordo, ao meio dia de 31 de dezembro de 1999 o Panamá assumiu o controle da zona do canal.

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O navio carregado com grãos se aproxima para entrar no primeiro dos três conjuntos de eclusas do canal. São dois do lado do Pacífico, Miraflores e Pedro Miguel, e um conjunto do lado do Atlântico, Gatún. Um trajeto de pouco mais de oitenta quilômetros entre os dois oceanos.


A eclusa funciona como um elevador. O cargueiro, vindo do Pacífico, é puxado por locomotivas que se movem nos trilhos ao lado da câmara do canal. São dois conjuntos na frente, outros no meio e atrás do navio. Quando a embarcação entra na câmara, as portas são fechadas. Elas são originais, de 1913. Pesam 690 toneladas e têm a altura de um prédio de sete andares. Os números superlativos contrastam com a rapidez da operação. As portas fecham em dois minutos. Bastam dois motores de 25 cavalos de força.



Do lado oposto, cem milhões de litros de água começam a entrar. Toda a água vem do lago Gatún por gravidade, transportada por uma tubulação embaixo das eclusas. Em oito minutos a câmara está cheia. São 12 milhões de litros de água por minuto. É preciso olhar com atenção para notar a água subindo. E o navio junto.
Nesta primeira câmara, a embarcação sobe oito metros. Na próxima, ainda em Miraflores, serão mais oito. Na eclusa seguinte, Pedro Miguel, mais dez metros de elevação. A partir daí o navio estará 26 metros acima do nível do oceano Pacífico. Do outro lado, perto do Atlântico, na eclusa de Gatún, ele descerá os mesmos 26 metros. E a ponte de água estará completa.






Na eclusa de Miraflores existe um museu, onde os visitantes podem conhecer mais sobre a história e o funcionamento do canal. O local é interativo. No simulador, dá para se sentir no comando da embarcação.
  




A ideia das eclusas foi a diferença crucial entre o sucesso do projeto norte-americano e o fracasso do projeto francês, que previa a travessia ao nível do mar. Hoje, dez mil funcionários trabalham para o canal. Oito mil nas operações e dois mil na parte administrativa.
Para a família de São Paulo, a visita foi uma aula de ciência e história. “Fiquei impressionado de ver o tamanho disto aqui. Nunca nem imaginava como que era essa transposição, como é que o navio poderia estar passando. É bem apertadinho mesmo. Então você vê que tem todo um cuidado para puxar o navio, ele aguardar. Enche muito rápido, não imaginava a quantidade de água que tem aqui”, disse o engenheiro Wagner Sotangi.
E as crianças aprenderam a lição direitinho. “Eu achei legal e é bem educativo. A gente aprende um pouco sobre a história do Panamá”, falou Luisa Costa, de 9 anos. “Ah, como a água levanta. É importante saber estas coisas, que tem a gravidade da água que pode levantar o navio pra cima para poder passar”, comentou Matheus Sotangi, também de 9 anos.
O Wagner está certo, é bem apertadinho mesmo. A eclusa tem 33 metros e meio de largura por 305 metros de comprimento e recebe navios de até 32,3 metros de largura por 294 metros de comprimento. A profundidade é de 12 metros.
O canal do Panamá é tão importante para o comércio mundial que virou referência na indústria naval. Os cargueiros são chamados de panamax e pós-panamax. Os panamax são aqueles feitos na medida para cruzar o canal. Os pós-panamax são maiores, não passam aqui. Por isto o Panamá está ampliando o canal, para receber os grandes cargueiros. As obras começaram em setembro de 2007 e devem estar prontas em 2015. O custo previsto é de US$ 5,250 bilhões, cerca de R$ 12 bilhões.
Serão feitos dois novos complexos de eclusas de três níveis cada um. Paralela à eclusa de Miraflores está sendo escavada uma vala de seis quilômetros. Ela vai ligar todas as eclusas do Pacífico ao corte Culebra, a faixa mais estreita do canal, escavada na Cordilheira Central do Panamá, na foz do rio Chagres. Também estão previstos o alargamento e aprofundamento dos canais de navegação no lago Gatún e corte Culebra e nas entradas do Pacífico e Atlântico.


O investimento se justifica. Pelo canal passam 5% do comércio marítimo mundial. Desde a abertura, mais de um milhão de navios fizeram a travessia, marca atingida em 2010. Hoje, passam por aqui 40 navios por dia. São cerca de 14 mil no ano. A travessia pode ser feita também à noite.
Desde que passou ao controle panamenho, o canal rendeu ao país mais de US$ 8 bilhões. Valor bem superior aos quase dois bilhões pagos pelos americanos durante 85 anos.
Para as empresas, o canal também é um bom negócio. Cada grande embarcação paga entre US$ 300 mil e US$ 400 mil para fazer a travessia, de oito horas. O valor depende de fatores como o tamanho e o tipo do navio. Sem o canal, a alternativa seria cruzar o cabo Horn, ao sul do continente, no Chile. Um trajeto de um mês, que custaria cerca de US$ 1,4 milhão.
Por isso os norte-americanos se empenharam para construir e controlar o canal. Ele liga por mar, com mais rapidez, as costas leste e oeste dos EUA. Uma travessia vital após a corrida do ouro rumo à Califórnia em meados do século 19. E na atualidade, no intenso comércio com a Ásia.
Em visita ao Panamá, a norte-americana Sherry Scott ficou impressionada com o canal. “Toda esta água, é incrível, a eclusa enchendo... Eu não sei como fizeram isto, mas fizeram.”
O canal recebe turistas todos os dias. A visita ocorre na eclusa de Miraflores, a cerca de quinze quilômetros do centro da Cidade do Panamá. São pessoas de todos os cantos do mundo, muitos latino-americanos. Na fila para comprar o ingresso, a turista argentina estava eufórica. “A expectativa que tenho é que quero saber como é, como foi a história... Na verdade tenho muita vontade de conhecer o canal, estudei-o no colégio e depois de tantos anos vou conhecê-lo”, citou a auxiliar administrativa Irma Cicchitti. O empresário brasileiro não escondia a expectativa. “Espero que seja surpreendente porque já tinha visto em vídeo e queria muito ver pessoalmente, mas acredito que vai ser superada”, comentou o empresário Carlos Alberto Ferreira.
O canal é uma atração também para os panamenhos, principalmente os estudantes. E é motivo de orgulho. O professor Alex Rivas estava lá com 52 alunos. “Para que conheçam o trabalho e desenvolvimento do canal em nível nacional. É a nossa história, já que completamos mais de cem anos funcionando. A importância é que nós oferecemos uma rota para trânsito naval em nível mundial”, afirmou.
Para o professor, obter o domínio do canal ajudou o país. “Acredito que mudou algo porque a nossa economia melhorou e atualmente está beneficiando todos os setores da república.”

* Reportagem feita originalmente para o programa "Matéria de Capa", da TV Cultura (dom., 19h)

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