O Panamá é
conhecido em todo o mundo por causa do seu canal, que liga os oceanos Atlântico
e Pacífico. Em 2014, o canal vai comemorar cem anos de operação, mas sua
história é bem mais antiga.
Uma obra
gigantesca, exemplo da engenharia. O canal do Panamá levou dez anos para ser
construído. Ficou pronto em 1913, mas a primeira travessia só ocorreu em 1914.
A ideia de abrir
um canal vem do século 16, quando os espanhois começaram a colonizar a região. Vasco
Nuñes de Balboa, o primeiro a atingir a costa do Pacífico, em 1513, viu que
apenas uma pequena porção de terra separava os dois oceanos. Em 1534, o então
imperador da Espanha, Carlos 1°, ordenou por decreto que se fizessem estudos
para abrir uma ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Estes primeiros estudos
são bem próximos do atual traçado do canal.
Para unir os
mares, era preciso dividir o continente. E no meio do caminho havia um povoado:
o Panamá. Libertado do domínio espanhol em 1821, o lugar era território da Colômbia
no início do século 20. A localização estratégica chamou a atenção das
potências mundiais. A França foi a primeira a se arriscar. Em 1878, Ferdinand
de Lesseps, responsável pela construção do canal de Suez, na África, teve
autorização para a obra.
Os trabalhos
começaram em 1880. O projeto previa a construção de um canal no nível do mar,
um erro de engenharia, segundo os estudiosos. Isto exigia, por exemplo, drenar
parte do rio Chagres. Outros obstáculos surgiram. Tempestades seguidas de
enchentes e desmoronamentos, o forte calor, a floresta densa e as doenças
tropicais, como malária e febre amarela, causaram a morte de cerca de 22 mil
trabalhadores. Perto do canal, ainda é possível ver o cemitério francês onde
parte dos trabalhadores foi enterrada.
Em 1889, a
companhia faliu, causando prejuízo aos acionistas e uma crise econômica na França.
Lesseps foi acusado de má administração da obra, má gestão financeira e
corrupção. Ele chegou a ser condenado a cinco anos de prisão, mas não cumpriu a
pena em razão da saúde frágil. Apesar do fracasso, Lesseps é lembrado no Panamá
com uma estátua na praça da França, uma homenagem aos primeiros construtores do
canal.
Quem executou de
fato a obra foram os norte-americanos. E isto mudou o destino do então
território. O país conseguiu a sua independência por causa do canal. Quando os
norte-americanos decidiram assumir a construção no início do século passado,
fizeram um acordo com a Colômbia para poder tocar a obra. Mas este acordo não
foi aprovado pelos senadores colombianos. Segundo conta a história, os Estados Unidos
pressionaram os panamenhos para que eles se libertassem.
O Panamá declarou
a sua independência da Colômbia em 3 de novembro de 1903. Poucos meses depois,
em fevereiro de 1904, assinava com os EUA um acordo para a construção do canal.
Este acordo deu aos EUA controle sobre toda a chamada zona do canal por tempo
indefinido.
A construção do
canal custou aos americanos US$ 375 milhões. Quarenta milhões foram pagos à
companhia francesa que tinha iniciado o projeto. O Panamá recebeu dez milhões,
além de uma renda anual de US$ 250 mil.
Foi uma das
maiores obras da época. Ela exigiu a retirada de 153 milhões de metros cúbicos
de terra, quantidade suficiente para dar a volta ao mundo quatro vezes se fosse
colocada numa locomotiva. A obra ficou pronta em outubro de 1913, mas as
atividades comerciais só começaram em 15 de agosto de 1914. O vapor Ancón,
carregado com cimento, inaugurou oficialmente a travessia.
O destino do
canal só foi revisto em 1977 pelo tratado Torrijos-Carter, uma referência aos
dois presidentes que o assinaram, o panamenho Omar Torrijos e o americano Jimmy
Carter. Pelo acordo, ao meio dia de 31 de dezembro de 1999 o Panamá assumiu o
controle da zona do canal.
***
O navio carregado
com grãos se aproxima para entrar no primeiro dos três conjuntos de eclusas do
canal. São dois do lado do Pacífico, Miraflores e Pedro Miguel, e um conjunto
do lado do Atlântico, Gatún. Um trajeto de pouco mais de oitenta quilômetros
entre os dois oceanos.
A eclusa funciona
como um elevador. O cargueiro, vindo do Pacífico, é puxado por locomotivas que
se movem nos trilhos ao lado da câmara do canal. São dois conjuntos na frente,
outros no meio e atrás do navio. Quando a embarcação entra na câmara, as portas
são fechadas. Elas são originais, de 1913. Pesam 690 toneladas e têm a altura
de um prédio de sete andares. Os números superlativos contrastam com a rapidez
da operação. As portas fecham em dois minutos. Bastam dois motores de 25
cavalos de força.
Do lado oposto, cem
milhões de litros de água começam a entrar. Toda a água vem do lago Gatún por
gravidade, transportada por uma tubulação embaixo das eclusas. Em oito minutos
a câmara está cheia. São 12 milhões de litros de água por minuto. É preciso
olhar com atenção para notar a água subindo. E o navio junto.
Nesta primeira
câmara, a embarcação sobe oito metros. Na próxima, ainda em Miraflores, serão
mais oito. Na eclusa seguinte, Pedro Miguel, mais dez metros de elevação. A
partir daí o navio estará 26 metros acima do nível do oceano Pacífico. Do outro
lado, perto do Atlântico, na eclusa de Gatún, ele descerá os mesmos 26 metros. E
a ponte de água estará completa.
Na eclusa de Miraflores
existe um museu, onde os visitantes podem conhecer mais sobre a história e o
funcionamento do canal. O local é interativo. No simulador, dá para se sentir
no comando da embarcação.
A ideia das
eclusas foi a diferença crucial entre o sucesso do projeto norte-americano e o
fracasso do projeto francês, que previa a travessia ao nível do mar. Hoje, dez
mil funcionários trabalham para o canal. Oito mil nas operações e dois mil na
parte administrativa.
Para a família de
São Paulo, a visita foi uma aula de ciência e história. “Fiquei impressionado
de ver o tamanho disto aqui. Nunca nem imaginava como que era essa
transposição, como é que o navio poderia estar passando. É bem apertadinho
mesmo. Então você vê que tem todo um cuidado para puxar o navio, ele aguardar. Enche
muito rápido, não imaginava a quantidade de água que tem aqui”, disse o
engenheiro Wagner Sotangi.
E as crianças aprenderam
a lição direitinho. “Eu achei legal e é bem educativo. A gente aprende um pouco
sobre a história do Panamá”, falou Luisa Costa, de 9 anos. “Ah, como a água
levanta. É importante saber estas coisas, que tem a gravidade da água que pode
levantar o navio pra cima para poder passar”, comentou Matheus Sotangi, também
de 9 anos.
O Wagner está
certo, é bem apertadinho mesmo. A eclusa tem 33 metros e meio de largura por
305 metros de comprimento e recebe navios de até 32,3 metros de largura por 294
metros de comprimento. A profundidade é de 12 metros.
O canal do Panamá
é tão importante para o comércio mundial que virou referência na indústria
naval. Os cargueiros são chamados de panamax e pós-panamax. Os panamax são
aqueles feitos na medida para cruzar o canal. Os pós-panamax são maiores, não
passam aqui. Por isto o Panamá está ampliando o canal, para receber os grandes
cargueiros. As obras começaram em setembro de 2007 e devem estar prontas em
2015. O custo previsto é de US$ 5,250 bilhões, cerca de R$ 12 bilhões.
Serão feitos dois
novos complexos de eclusas de três níveis cada um. Paralela à eclusa de Miraflores
está sendo escavada uma vala de seis quilômetros. Ela vai ligar todas as
eclusas do Pacífico ao corte Culebra, a faixa mais estreita do canal, escavada
na Cordilheira Central do Panamá, na foz do rio Chagres. Também estão previstos
o alargamento e aprofundamento dos canais de navegação no lago Gatún e corte Culebra
e nas entradas do Pacífico e Atlântico.
O investimento se
justifica. Pelo canal passam 5% do comércio marítimo mundial. Desde a abertura,
mais de um milhão de navios fizeram a travessia, marca atingida em 2010. Hoje,
passam por aqui 40 navios por dia. São cerca de 14 mil no ano. A travessia pode
ser feita também à noite.
Desde que passou
ao controle panamenho, o canal rendeu ao país mais de US$ 8 bilhões. Valor bem
superior aos quase dois bilhões pagos pelos americanos durante 85 anos.
Para as empresas,
o canal também é um bom negócio. Cada grande embarcação paga entre US$ 300 mil
e US$ 400 mil para fazer a travessia, de oito horas. O valor depende de fatores
como o tamanho e o tipo do navio. Sem o canal, a alternativa seria cruzar o
cabo Horn, ao sul do continente, no Chile. Um trajeto de um mês, que custaria
cerca de US$ 1,4 milhão.
Por isso os
norte-americanos se empenharam para construir e controlar o canal. Ele liga por
mar, com mais rapidez, as costas leste e oeste dos EUA. Uma travessia vital
após a corrida do ouro rumo à Califórnia em meados do século 19. E na atualidade,
no intenso comércio com a Ásia.
Em visita ao Panamá,
a norte-americana Sherry Scott ficou impressionada com o canal. “Toda esta
água, é incrível, a eclusa enchendo... Eu não sei como fizeram isto, mas
fizeram.”
O canal recebe turistas
todos os dias. A visita ocorre na eclusa de Miraflores, a cerca de quinze
quilômetros do centro da Cidade do Panamá. São pessoas de todos os cantos do
mundo, muitos latino-americanos. Na fila para comprar o ingresso, a turista
argentina estava eufórica. “A expectativa que tenho é que quero saber como é,
como foi a história... Na verdade tenho muita vontade de conhecer o canal,
estudei-o no colégio e depois de tantos anos vou conhecê-lo”, citou a auxiliar
administrativa Irma Cicchitti. O empresário brasileiro não escondia a
expectativa. “Espero que seja surpreendente porque já tinha visto em vídeo e
queria muito ver pessoalmente, mas acredito que vai ser superada”, comentou o
empresário Carlos Alberto Ferreira.
O canal é uma
atração também para os panamenhos, principalmente os estudantes. E é motivo de
orgulho. O professor Alex Rivas estava lá com 52 alunos. “Para que conheçam o
trabalho e desenvolvimento do canal em nível nacional. É a nossa história, já
que completamos mais de cem anos funcionando. A importância é que nós
oferecemos uma rota para trânsito naval em nível mundial”, afirmou.
Para o professor,
obter o domínio do canal ajudou o país. “Acredito que mudou algo porque a nossa
economia melhorou e atualmente está beneficiando todos os setores da
república.”
* Reportagem feita originalmente para o programa "Matéria de Capa", da TV Cultura (dom., 19h)