Machu Picchu, a cidade "perdida" dos incas

Nossa jornada rumo a Machu Picchu vai se aproximando do destino. A cidade criada pelos incas no topo de uma montanha ficou praticamente escondida até o começo do século 20, quando foi desbravada por uma expedição que enfrentou e venceu os desafios da cordilheira e da floresta. Hoje, milhares de pessoas todos os dias refazem esse caminho.
A primeira etapa da viagem a Machu Picchu é de carro por uma estrada no meio do Vale Sagrado. Vilarejos rurais vão ficando para trás.



Depois de pegar uma rodovia e uma estrada de pedras, chegamos até a estação de Ollantaytambo, onde pegamos um trem que nos vai levar até parte do caminho rumo a Machu Picchu, a cidade perdida dos incas.



O trajeto de 43 quilômetros dura uma hora e meia. A paisagem às margens do rio Urubamba é fascinante. Aqui, o antigo rio Vilcanota ganha um novo nome, fica com as águas mais claras e caudalosas. Em alguns pontos chega a ter uma forte correnteza. O trem, com janelas panorâmicas, nos faz sentir como se tivéssemos caminhando entre as montanhas, pelas antigas trilhas incas.
Para os aventureiros, há dois caminhos a pé até Machu Picchu. Um leva quatro dias de caminhada e o outro dois, com paradas para descansar.
No trajeto, passamos por vestígios da antiga civilização. Sinal de que estamos mais perto. O trilho vai ficando para trás na medida em que avançamos até o destino final do trem, no último povoado antes de Machu Picchu. Águas Calientes leva o nome deste rio que corta o vilarejo até se encontrar com o grande Urubamba.







Aí pegamos um ônibus para o último trecho da viagem. Subimos por uma estradinha de terra cheia de curvas.


Depois de pouco mais de 20 minutos subindo a montanha de ônibus nós chegamos até a entrada da cidade sagrada dos incas. O acesso é restrito: somente 2,5 mil pessoas por dia podem entrar em Machu Picchu, segundo determinação do governo peruano.
E logo surge a cidade. Imponente. Única. Um desafio à engenharia e ao tempo. A cidade que resistiu à invasão espanhola ficou escondida durante séculos até ser desbravada numa expedição no início do século 20 exibe vitalidade. Embora esteja no topo de uma montanha, Machu Picchu fica cerca de mil metros abaixo de Cusco. Respirar nessa área, com o organismo mais adaptado, já não exige esforços. Caminhar pelas antigas ruas da cidade é uma missão tranquila. A única subida mais acentuada é a que leva ao topo da zona agrícola. E é para lá que vamos primeiro.





Esta parte da cidade é formada basicamente por terraços onde os incas plantavam e recintos para armazenar os alimentos. As lhamas, aliás, continuam se alimentando por aqui, ignorando a presença dos turistas. E às vezes se exibindo para eles.
O império inca não tinha uma moeda, todas as negociações eram à base de troca, inclusive os alimentos.





Vamos agora para a parte urbana. Ela é formada por casas, templos e praças. São 172 edifícios. O que divide as duas áreas é este portão. As ruas são estreitas. E as lhamas pedem espaço.





Ao olhar as casas, é possível distinguir as que são de pessoas mais nobres das mais simples pelas pedras. As de pedras rústicas, colocadas um tanto aleatoriamente, com uma espécie de argamassa, são do povo. Nas casas mais chiques, nos templos, as pedras são uniformes, encaixadas umas sobre as outras.
Algumas casas são muito simples, mas algumas têm dois andares. É possível perceber isto por causa das saliências, que é onde se colocava um segundo pavimento. E também dá para ver que o telhado é bem alto. Em geral, as casas têm um único cômodo porque para os incas ela funcionava apenas como dormitório.








Conhecer a cultura inca é aprender uma lição de respeito à natureza. Machu Picchu é um exemplo. A cidade foi feita integrada à montanha, em harmonia com os elementos naturais que a cercam. Vários locais foram construídos de modo que a luz do sol passasse especialmente nos dias de solstício, que marcam a mudança das estações do ano. Janelas foram posicionadas com a mesma finalidade. A adoração ao sol era um dos elementos mais importantes da cultura inca.



No ponto mais alto da cidade fica um templo com um relógio de sol. Os incas não marcavam as horas, mas sabiam com exatidão a passagem dos meses e a chegada das estações, um conhecimento essencial para a agricultura.



A cultura inca também usava a natureza para suas representações sagradas. A pedra foi esculpida como uma cópia da paisagem ao redor. Segundo nossa guia, as montanhas de Machu Picchu e Waina Picchu representam a dualidade entre esquerda e direita, abaixo e acima. As três montanhas representam o mundo onde moramos, o mundo dos mortos e o mundo dos deuses. “A energia vital flui nos três mundos. E não existe uma morte como uma separação definitiva. É a passagem de uma forma de vida a outra. E esta outra forma de vida a pessoa segue contribuindo para o desenvolvimento da mesma vida”, explica Carmen Canales.


O império inca foi um dos maiores e mais importantes da América do Sul. Durou cerca de 300 anos, até a chegada dos colonizadores espanhóis no início do século 16. Chegou a ocupar um território de 1,7 milhão de quilômetros quadrados, área hoje pertencente a seis países – Equador, Colômbia, Argentina, Chile e Bolívia, além do Peru.
Era dividido em quatro grandes regiões e tinha nos agrupamentos de dez famílias a sua base social.
Machu Picchu é o sítio arqueológico mais preservado e espetacular. Provavelmente ficou assim pelo desinteresse dos espanhóis num lugar de acesso tão difícil e sem riquezas aparentes. Embora apareça em citações do século 19, a chamada cidade perdida só foi desbravada mesmo em 24 de julho de 1911 pelo norte-americano Hiram Bingham. Na época, o lugar estava tomado pela vegetação.
Hoje, Machu Picchu é patrimônio da humanidade. E fascina os visitantes. “É indescritível. Só estando para sentir, muita história, muita coisa embutida que você sente, mas depende do grau de cultura de cada um saber interpretar os fatos”, diz o aposentado Sérgio Salles. “Falam tanto em ecologia, há quanto tempo já se fazia aqui, os drenos, a preocupação com o solo, o Vale Sagrado onde não se construía para preservar a cultura do milho que para eles era fundamental... É uma escola da vida que a gente não sabia já existia há muito tempo”, completa.









Chegar até Machu Picchu não é fácil. Ela fica a 2.650 metros de altitude. Por isso é mais impressionante imaginar como os incas construíram uma cidade no topo da cordilheira dos Andes. Há várias teorias para explicar a existência de Machu Picchu: para alguns estudiosos ela era apenas mais uma cidade inca. Isto porque é dividida em áreas agrícolas, áreas urbanas, tem todos os elementos de uma cidade. Mas para alguns estudiosos era um lugar sagrado para onde os incas vinham para estar em contato mais próximo com os deuses.
“É mais do que qualquer pessoa poderia imaginar. Estar aqui realmente é uma sensação incrível que nenhum livro, nenhuma foto é capaz de descrever, é capaz de você ter mesmo esta noção”, fala a jornalista Karla Santos. “A estrutura, a perfeição com a qual eles trabalhavam as pedras... Realmente o conhecimento que eles tinham e o respeito pelos poderes da natureza, em especial os terremotos que acontecem aqui, a estrutura que fazem respeitando toda a natureza realmente é muito incrível”, completa.
O império inca durou até 1532, mas sua história e principalmente suas lições permanecem até hoje. E a principal lição, olhando para Machu Picchu, talvez seja a capacidade do homem de construir coisas belas respeitando o ambiente. Uma combinação sustentável e poderosa. Porque, como disse um de nossos guias, as cidades são bonitas, mas as montanhas são mágicas.


* Texto originalmente feito para o programa "Matéria de Capa" (TV Cultura, dom., 19h30)

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