Há muitos cemitérios famosos mundo afora - seja pela história que guardam (ou contam), pela arquitetura ou pelos "moradores" que abrigam. Em razão disso, e aproveitando o Dia das Bruxas, postei no meu blog "Bate-Bola" um texto com fotos dos cemitérios de maior destaque que conheci. Três deles estão numa lista dos "12 mais", feita por um site.
Como o texto não foi feito como uma crônica ou um relato mais apurado de viagem, decidi postar no outro blog (e não neste). Contudo, como o tema está ligado a turismo e viagens, achei legal fazer um link no "Piscitas". Portanto, quem tiver interesse em saber mais sobre o assunto é só clicar aqui.
Em tempo: a foto que ilustra esta postagem é do Cemitério St. Louis #1, o mais antigo de Nova Orleans (EUA).
A cidade das torres
Li em mais de
uma ocasião que as torres serviam como importante instrumento de defesa dos
senhores feudais e aristocratas, principalmente durante a Idade Média. Em razão
da altura, garantiam ampla visão da área (o que permitia antever a aproximação
de inimigos) e serviam de ponto estratégico para eventuais ataques (geralmente
com flechas). Muitas delas, num período mais remoto, costumavam ser mais
fechadas, tendo as famosas seteiras.
Por ignorância,
era esta a minha visão das torres dos palácios e castelos (sem contar as que
ficam junto a igrejas, campanários e as que abrigam relógios). Pois a
pesquisadora Ina Caro, em seu livro “Paris sobre Trilhos”, introduziu uma outra
visão, óbvia (daí a importância da leitura): “Em geral, torres são símbolo de
independência e poder” (p. 260).
Quando li o
trecho, de imediato me veio à mente a visão de San Gimignano, vilarejo
encravado no alto (a 334
metros mais exatamente) de um monte em meio ao belíssimo
cenário da Toscana, na Itália. O lugar é conhecido justamente, e entre outras
coisas, por suas torres – há referências a 13, 14 e 15 delas, mas de destaque
mesmo são seis. Já foram mais de setenta (72 dizem). E é aí que entra a
definição apresentada por Ina Caro: para que, afinal, tantas torres num
vilarejo que até hoje abriga poucas centenas de pessoas? Elementar, caro: para
mostrar poder!
A descrição da
cidade no site oficial deixa claro esta vocação ao dizer que San Gimignano “domina
o vale Elsa com suas torres”. Não haveria verbo mais apropriado – e neste ponto
lembro das aulas que tive na faculdade e ministrei, já como docente, que
tratavam dos verbos que “falam” (ou, na verdade, transmitem ação – quando
“dizer é fazer”). É isto: as torres da pequena e histórica cidade toscana
falam. Afinal, dominar é... dominar e ponto.
A história da
cidade remonta ao período Helenístico, por volta de 200-300 anos a.C., quando
era uma vila etrusca. Como cidade, ela surgiu no século 10, emprestando o nome
do bispo de Modena, San Gimignano – a quem atribuem ter salvado a vila de
invasões bárbaras. O lugarejo cresceu em razão da proximidade da via
Francigena, uma importante rota comercial durante a Idade Média, tornando-se um
município independente em 1199.
Em 1348, a população local foi
quase dizimada pela peste negra, o que fez a cidade entrar em crise,
tornando-se submissa à poderosa Florença cinco anos depois. Nos séculos seguintes,
San Gimignano permaneceu isolada, o que foi decisivo para preservar seu charme,
sua beleza e sua história - que lhe garantiram séculos depois sua
“redescoberta” como ponto importante da região.
A construção
das torres se deu justamente entre o período de ascensão e declínio da cidade,
ou seja, entre os séculos 11 e 13. Hoje, é possível visitar a Grande Torre (Torre
Grossa ou Podestà), de 54
metros . Erguida em 1311, fica anexa ao museu cívico local
(o Palazzo del Popolo), na praça principal, ao lado da modesta catedral (na
verdade uma colegiada, já que a cidade não possui bispo).
A igreja –
dedicada a santa Maria Assunta - exibe uma arquitetura simples, que mistura
rudeza e robustez em sua fachada de pedra aparentemente bruta, datada de 1239.
Ela não possui uma porta principal e sim duas pequenas portas para onde
converge a escadaria, o que causa certa estranheza (tem-se a impressão de que
falta algo na fachada). Não há qualquer traço decorativo, a não ser dois
pequenos arcos sobre as portas, acima dos quais ficam duas pequenas janelas. Há
ainda um pequeno vitral arredondado, acima dele um arco em tijolos e uma
pequena cruz.
Chama mesmo a
atenção o chão da praça, a Piazza del Duomo, com tijolos vermelhos colocados de
tal maneira que formam pequenas setas e aparentam estar em movimento.
Na cidade,
destacam-se também as torres gêmeas “degli Ardinghelli” (esqueça, não guardam
nenhuma lembrança com as do World Trade Center) e a torre de Diavolo. Passear
por todas elas, ainda que não se possa adentrá-las, é como fazer uma viagem no
tempo. Observar seus detalhes (ou a ausência deles na maior parte dos casos),
imaginar qual finalidade tiveram e como sobreviveram ao longo dos séculos é um
delicioso exercício em favor da história – por mais que não se chegue a
conclusão alguma ou que a eventual conclusão esteja completamente equivocada. San
Gimignano já terá cumprido seu papel, qual seja, o de estimular os pensamentos
e sonhos. Porque vislumbrar a imensidão da paisagem toscana do alto do monte
que sustenta a cidade e sentir a força emanada pelas ruelas e becos que
resistiram ao tempo leva-nos forçosamente a pensar e a sonhar.
Chegar até San
Gimignano não é tão simples. Não há linha férrea. Ônibus não entram. Para ir de
carro, é preciso conhecer bem a região. Estando lá, porém, inevitavelmente será
necessário cruzar a porta San Giovanni, uma espécie de mural em pedra de onde
parte uma via ascendente que leva diretamente - por entre lojinhas de
artesanato e produtos alimentícios típicos da toscana, como salames, vinhos e
azeites – à piazza della Cisterna. Uma praça que, por falta de originalidade, ganhou
o nome da cisterna ali existente e que durante séculos serviu como fonte de
água para o vilarejo.
Hoje, a
cisterna é ponto de atração para os milhares de turistas que todos os dias vão
até San Gimignano. Ela é circundada por construções típicas de uma vila medieval,
com fachadas em tijolos ou pedra bruta (eventualmente tomadas por plantas e
pequenos arbustos) que pouco se diferenciam umas das outras, raramente
ornamentadas (embora se veja aqui e acolá alguma tentativa de sofisticação,
como arcadas feitas em tijolos que lembram o estilo mourisco).
Pelo que se vê,
não são apenas as torres que fazem a fama de San Gimignano. Qualquer pequena
cidade encravada no alto de um monte na Toscana por si só já mereceria todos os
elogios – e uma visita, naturalmente. Saber que esta pequena cidade é um dos
melhores exemplos da vida na Idade Média, preservada em sua arquitetura e em
tudo o que esta arte revela faz do lugar um destino obrigatório. E aí, está
esperando o quê?
Em tempo: San Gimignano é a cidade natal de santa Fina. É possível visitar a pequena e modesta casa onde ela viveu, numa das vielas secundárias do vilarejo. Trata-se de uma jovem - filha de Cambio e Imperiera Ciardi - que morreu aos 15 anos de idade, em 1253, passando em pouco tempo a ser venerada como santa na região (ela nunca foi canonizada oficialmente pela Igreja Católica).
Na cidade, fica também o estabelecimento que faz o "melhor sorvete do mundo". Trata-se da Pluripremiata Gelateria, vencedora dos concursos de 2006-7 e 2008-9 do Gelato World Champion. Eis mais uma razão para conhecer o lugar.
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