No ritmo do blues

“Your body knows the words even if you don’t.
It´s New Orleans – You´re different here!”
(Frase de um catálogo de divulgação turística de Nova Orleans)

Poucos lugares no mundo têm o privilégio de se identificar tanto com um estilo musical quanto o delta do rio Mississipi, nos Estados Unidos. E, naquela área, nenhuma cidade tem mais destaque do que Nova Orleans, embora outras tenham exercido um papel mais preponderante como berço do blues e afins.
É para Nova Orleans, porém, que a maior parte dos turistas vai à procura das raízes desse estilo musical. Atenção, vou deixar claro desde já: eles podem se decepcionar. A cidade ganhou ares tão turísticos que às vezes chega a ser mais fácil encontrar qualquer outro ritmo musical que não o blues. Sabe aquela história de bandas tocando pelas ruas? Então, com sorte verá uma ou outra que mereça cinco minutos de sua atenção. O que você poderá eventualmente ver são pessoas tocando muito mais por um instinto de mendicância (ainda mais agora que o país vive uma grave crise econômica) do que propriamente pelo amor à música.
Na famosíssima Bourbon Street, uma das ruas mais malucas que já conheci, espere encontrar do bom e velho rock´n´roll à música pop atual ou às batidas frenéticas do tecno. Para ouvir blues, contudo, você terá que procurar um pouco mais a fundo. Meta a cara nos bares e deixe o ouvido atento: com um pouco de esforço achará o som marcante que resulta da mistura do piano, do contra-baixo e do saxofone. E aí sim poderá viver uma noite em Nova Orleans.

One night in New Orleans
On a superbowl sunday
In a bar with a big screen TV
She was there with some girls
They were down from Montreal
And she walked right up to me

(…) I found out what that means
One night in New Orleans

Looking in her eyes
I saw the French Quarter
The way I had never seen
Kisses in binet's
Strawberry's and champagne
One night in New Orleans
(“One night in New Orleans”, por Blackhawk)




Tenha sorte se você encontrar o ritmo do blues na cor marcante da pele morena. Não que a questão racial faça alguma diferença para a qualidade musical, trata-se apenas do desejo de se deparar com a história tal qual ela ocorreu. A origem do estilo está diretamente ligada aos escravos do sul do país libertos – e empobrecidos – após a Guerra Civil. Cantavam diante da liberdade enquanto sofriam da falta de assistência. Não é à toa que o ritmo carrega na bagagem marcas de melancolia, tristeza e angústia – e isto se traduz nas letras mais antigas, que relatam com simplicidade as agruras do dia-a-dia.
Se os negros de Nova Orleans são famosos em razão da música, as garotas também têm seu charme. Afinal, a sensualidade – sonora e das danças - é uma das características do blues.


New Orleans ladies
A sassy style that will drive you crazy
And they hold you like the light
Hugs the wick when this candle's burning
Them Creole babies
Thin and brown and downright lazy
And they roll just like a river
A little wade will last forever
All the way
From Bourbon Street to Esplanade
They sashay by...

(“New Orleans Ladies”, por Leroux)




Cor à parte, ouvir uma noite de blues em Nova Orleans foi uma experiência incomparável e indescritível. No Fritzel´s, tido como o mais antigo clube de blues e jazz da cidade, localizado na Bourbon Street, coração do famoso e histórico French Quarter, o conjunto de pele clara deu um verdadeiro show naquela quinta-feira 5 de abril. Alternando os músicos ao piano e contra-baixo e com participações especiais no saxofone e assemelhados, o grupo animou a noite.
E quando um aparentemente tímido pianista - usando óculos e exibindo um sorriso contido permanente - assumiu o vocal e soltou a voz, foi como um trovão varando o bar. Um vozeirão grave, profundo, marcante e harmônico com os sons dos instrumentos. Acrescente a tudo isto uma decoração singular, repleta de fotos e cartazes antigos mostrados sem muita ordem; a meia-luz típica pontuada por luzinhas coloridas; boa cerveja e um bom papo e pronto: finalmente Nova Orleans!
Ouvir impassível aquele som é impossível. O blues e o jazz, aqueles ouvidos no Fritzel´s naquele 5 de abril, fazem viajar no tempo em busca das raízes. Leva-nos a navegar pelo Mississipi em busca da melodia que emana pelo ar, a imaginar os crioulos tocando seus violões e cantando a dureza da vida de um jeito simples, fazendo história – algo que provavelmente eles sequer imaginassem.

Ridin' on the city of New Orleans
Illinois Central, monday mornin' rail
15 cars & 15 restless riders
Three conductors, 25 sacks of mail

All along the southbound odyssey the train pulls out of Kankakee
Rolls along past houses, farms & fields
Passin' graves that have no name, freight yards full of old black men
And the graveyards of rusted automobiles

Good mornin' America, how are you?
Don't you know me? I'm your native son!
I'm the train they call the City of New Orleans
I'll be gone 500 miles when the day is done
(“City of New Orleans”, por Johnny Cash)




E o ritmo que marcou Nova Orleans, embora hoje escondido pelos cantos da cidade em meio ao turbilhão de gente que vai até lá todos os dias, espalha seu clima por todos os lados. Na culinária, no jeito de se vestir, no comportamento, na cultura enfim (em qual outro lugar o Mardi Gras, o famoso carnaval local, poderia fazer sucesso senão na acalorada e ardente – em todos os sentidos – Nova Orleans?).

Standin' in the corner
Of Toulouse and Dauphine
Waitin' on Marie-ondine
I'm tryin' to place a tune
Under a Louisiana moonbeam
On the planet of New Orleans
In a bar they call the saturn
And in her eyes of green
And somethin' that she said in a dream
Inside of my suit I got my mojo root
And a true love figurine
For the planet of New Orleans

New Orleans - the other planet
With other life upon it
And everythin' that's shakin' in between
If you should ever land upon it
You better know what's on it
The planet of New Orleans

Now I'm tryin' to find my way
Through the rain and the steam
I'm lookin' straight ahead through the screen
And then I heard her say
Somethin' in the limousine
'bout taking a ride across the planet of New Orleans
(“Planet of New Orleans”, de Mark Knopfler)




E se por acaso, em meio ao ritmo e à festa, você se perder (literal e/ou figurativamente) em Nova Orleans, não se preocupe. Este é destino dos que vivem! Lamente apenas se você perder Nova Orleans. Aí sim terá motivo para chorar – quem sabe ao som do blues?

Do you know what it means to miss New Orleans
And miss it each night and day
I know I'm not wrong, the feeling's getting stronger 
The longer I stay away

Miss the moss-covered vines, tall sugar pines
Where mockingbirds used to sing
I'd love to see that old lazy Mississipi
Hurrying into spring

The moonlight on the bayou
A Creole tune that fills the air
I dream about magnolias in bloom
And I'm wishin I was there

Do you know what it means to miss New Orleans
When that's where you left your heart
And there's one thing more, I miss the one I care for
More than I miss New Orleans
(“Do you know what it means to miss New Orleans”, de Louis Alter e Eddie DeLange)





* As fotos são minhas e de Carlos Giannoni de Araujo

Leia também:

Postagem em destaque

A Veneza verde do Norte

A tecnologia que empresas suecas levam mundo afora hoje em dia não é um acaso. O país tem vocação para invenções e descobertas. O passado v...

mais visitadas