Parto de ti,
Levando-te em mim.
Nem o tempo nem a distância
Nem o tempo nem a distância
Tem o poder de nos separar espiritualmente.
Deixo-me ficar em ti intimamente sempre, para sempre.
Deixo-me ficar em ti intimamente sempre, para sempre.
("Amornato!", de Rodrigues Lima, pensando em Santa
Cruz do Capibaribe-PE, sua terra natal)
E de repente assim, andando pelo interior do Ceará, numa
estrada tão bem cuidada quanto deserta, sob o sol escaldante da tarde no
Nordeste, um viajante solitário - daquela solidão que sobrevive na alma, ainda que
se esteja cercado de uma multidão – olha à esquerda e se depara com um
cemitério. Ali, nonada (com a devida licença e sem pretensão qualquer que não
seja homenagear o grande Guimarães Rosa).
Um grande e ofuscante muro branco guarda uma série de últimas
moradas, também alvas, como as nuvens. Pequenas capelas com acabamento simples,
concreto caiado, muitas com pequenas cruzes sobre o teto, também feitas com o
mesmo concreto das fachadas, indicam o repouso eterno de antigos moradores do
grande sertão. Descansam ali na mesma terra quente e seca sobre a qual viveram
seus dias, sob o sol escaldante das tardes no Nordeste.
Um solo duro, difícil, resistente, que permite apenas o
aparecimento de uma certa gramínea e uma ou outra árvore, cuja sombra serve egoisticamente
só para si. Um cemitério solitário, sem vizinhança, longe de uma vila que possa
lhe fazer sentido, tão bem cuidado quanto abandonado, um paradoxo de vivos e
mortos. Em meio ao pacífico silêncio, voa uma pequena borboleta, asas
alaranjadas, voo rasteiro e provocativo.
Lembrei desse cemitério sem nome, sem placa, guardado por um
pequeno portão de ferro com folhas duplas, ao ouvir o poema no qual Rodrigues
Lima relata a saudade da sua Santa Cruz do Capibaribe. Imagino a pequena cidade
pernambucana como aquele cemitério, uma mistura de simplicidade e tradição que
desperta a saudade do poeta, a mesma saudade deixada por aqueles que descansam
naquela terra quente e seca ali adiante.
E no meio daquela estrada, além do cemitério, vê-se uma
choupana, a única presença de vida naquela área além da borboleta de asas
alaranjadas e voo rasante e provocativo. Uma choupana típica do sertão, que
abriga a gente que carrega as marcas do sol escaldante das tardes no Nordeste,
a mesma gente que vai à igreja de São Luiz do Gonzaga para o terço dos homens
nas noites de quarta-feira.
Uma gente que tem ao redor o mais belo encontro que a
natureza é capaz de criar, a união tricolor da areia bege, do mar esverdeado
e do céu azul. Uma paisagem lindamente chocante tanto quanto a pobreza que
graça por ali em alguns recantos. A pobreza de quem sobrevive daquela terra
quente e seca, um solo duro, difícil e resistente. Sobre o qual voa rasante uma
borboleta de asas alaranjadas. Pairando livre no jardim do Éden daqueles que repousam
no cemitério solitário. Sob o sol escaldante das tardes no Nordeste. Na estrada
bem cuidada e deserta. Nonada. Ali, para além de Caucaia e Pecém...
* A foto com a borboleta foi tirada por Thiago Metitier