Ao ler sobre Brasília, pensei
em Washington. A
capital dos Estados Unidos foi planejada e criada para ter o destino que tem.
Fundada em 1791, representava o futuro de uma nação recém-nascida. Ou seja:
antes de ser cidade, foi uma ideia, um conceito. Tal como cá. “Brasília nasce
como princípio. A principal dimensão não era geopolítica, mas simbólica. A
construção da nova capital sempre esteve vinculada a ideais de modernidade, de
superação do atraso e de criação de uma civilização brasileira”, mencionaram
Leonardo Barreto e Ricardo Caldas (p. 116).
A execução dos projetos de
uma e outra tem similaridades. Da mesma forma como o Distrito de Columbia lá (criado
com terras tomadas dos estados de Maryland e Virginia), cá criaram o Distrito
Federal (com terras tomadas do estado de Goiás). Os tamanhos variam, é fato:
nos EUA, meros 177 km2 de área para a nova capital, contra 5.800 km2 de sua
“irmã” brasileira.
Estive em Washington D.C. duas
vezes, na primeira acompanhado por dois amigos. Um deles, publicitário, não
gostou da cidade. Criticou o óbvio: ela soa artificial, fria, gira em torno do
poder. Lá está o National Mall com seus pontos cruciais: de um lado o poderoso Congresso,
do outro o Memorial de Lincoln, ao centro o Obelisco (monumento em homenagem a
George Washington, o primeiro presidente constitucional dos EUA) e a Casa
Branca (a sede do poder Executivo).
Brasília também é assim – na
ideia e na estrutura. “A cidade pulsa ao ritmo do governo de plantão no Palácio
do Planalto (...)”, escreveu Beth Cataldo (p. 75). “(O Estado) se mantém como a
razão de existir da cidade”, disse Graça Ramos (p. 65). Os idealizadores da
capital brasileira buscaram inspiração na “irmã” norte-americana. Tal qual o
National Mall, Brasília abriga o eixo monumental com seus pontos cruciais: o
Congresso Nacional, o Palácio do Planalto (a sede do Executivo) e o Supremo
Tribunal Federal.
Sendo assim, em Washington ou
Brasília, não tente fugir do óbvio. Sim, as cidades giram em torno do poder. Então,
alie-se a isso! Na capital norte-americana, aproveite para conhecer os
belíssimos e interessantes museus (como a Galeria Nacional de Arte, o de
História Natural e do Ar e Espaço) espalhados pelo National Mall, todos ligados
ao Instituto Smithsonian, todos de graça. Valem cada minuto!
Semelhanças e diferenças unem
duas grandes cidades. Uma nasceu praticamente junto com o país; a outra nasceu
para (tentar) mudar o rumo do país - surgiu fruto de uma “atmosfera de
aventura, o sentido de utopia e a força de epopéia (...)”, conforme Conceição
Freitas (p. 158). Cumpriram suas missões? Uma já teve tempo para apresentar a
resposta; outra é quase uma recém-nascida para responder (cinquentona, é
verdade, mas o que é ser cinquentona para uma cidade – por mais que o Brasil
tenha apenas quinhentos e poucos anos?).
Um indício do que Brasília se
tornou, porém, é descrito por Graça Ramos: “(...) uma vitrine sempre exposta
aos olhos dos visitantes. Não poderia supor que, em futuro muito próximo, a
cidade seria apenas reflexo, sombra de um sonho. Era usada como fachada para
explicitar a potência de homens e mulheres que ergueram do nada uma capital
pujante em termos arquitetônicos e urbanísticos. Ao longo dos anos, passou a
ser vista – e continua – como exemplo de tudo de errado que o país faz, pensa e
deixa de fazer. Espelho que reflete uma sociedade desigual, pouco afeita à
civilidade, descuidada com sua história” (p. 58).
Brasília padece de males como
o crescimento desenfreado e a desvirtuação da sua ideia original. O transporte
público, por exemplo, é deficiente – ao contrário de Washington, onde o sistema
funciona muito bem (o metrô chega a ser um desperdício em razão da
infraestrutura invejável para tão poucos passageiros). A capital brasileira foi
cercada de barracos e afins nas chamadas cidades-satélite (na verdade, regiões
administrativas), com estrutura deficiente e altos índices de violência. Já a “irmã”
norte-americana é um charme só em seus bairros, como Georgetown (algumas outras
áreas da cidade são um tanto vazias, é verdade, porém não o suficiente para
tirar-lhes o encanto).
Mora-se bem também nos
arredores de Washington - a capital em si é bem pequenina, tanto que o famoso e
histórico cemitério de Arlington e o Pentágono, o centro de defesa do país,
ficam de fato em outra cidade, Arlington County, no estado da Virginia (embora
não se tenha a menor noção de ter entrado em outra localidade, pois basta
cruzar o rio Potomac de carro por uma ponte ou pelos trilhos do metrô).
Seja pelas qualidades ou pelos
defeitos, Brasília e Washington D.C. merecem uma visita. São exemplos de
cidades diferentes das demais. As duas nasceram com um propósito bem definido (sob
um certo aspecto, um fardo) – e são resultado disso, dezenas ou centenas de
anos depois. Gostem ou não delas, ambas estão aí. Emanando poder.