Horácio, poeta, em “Odes"
Fortaleza é tricolor – e não vai aqui nenhuma louvação ao quase
centenário Fortaleza Esporte Clube, o tricolor do Ceará. Aliás, o Ceará é
tricolor – e não vai aqui nenhuma gozação com o Ceará Sporting Clube, o praticamente
centenário alvinegro cearense. Perdoe-me a confusão futebolística, não é de
esporte que pretendo falar, mas não há descrição melhor para fazer da principal
marca daquela região do que a de tricolor.
Uma areia quase branca de tão pura (ok, há algumas praias,
como a de Iracema, na capital, onde predominam ciscos de conchas, mas via de
regra o litoral cearense é de uma areia quase alva e não necessariamente fina –
aliás, com o vento predominante, tem-se a sensação de espinhadas constantes na
pele). Um mar acentuadamente esverdeado, claro no seu princípio, escuro no
horizonte, brilhante sempre ao ver pousar sobre si os radiantes raios solares.
E, para completar, um céu estupidamente azul.
A paisagem cearense é estonteante, quase ofensiva aos olhos.
Paradisíaca seria adjetivo comum – só não se pode dizer edênica porque não se
imagina ali uma macieira, embora aquele conjunto todo seja de fato uma
tentação. Mas uma tentação dos deuses, de Deus, de Zeus, da natureza, seja lá
no que cada um creia. Só não se pode imaginar que seria o homem capaz de
tamanha perfeição.
Aliás, se tem algo que mantém o tricolor cearense é
justamente a quase ausência da presença humana. Claro que numa cidade como
Fortaleza e arredores, com ares de metrópole em termos demográficos, ignorar a
mão do homem agindo seria negar a realidade. Contudo, ainda que barracas
invadam a orla, ainda que avenidas rasguem o mangue, ainda que prédios ocupem o
lugar da vegetação, estão ali a areia branca, o mar esverdeado e o céu azul. Experimente
a Praia do Futuro. Três cores.
Não são sete, porém, as cores do arco-íris? Espere, pois, o
sol se despedir no poente (ou, quiçá, surgir na aurora) e lá estarão elas: o
amarelo que reluz tal qual ouro; o vermelho que emana sangue, força e paixão; o
laranja e o violeta que parecem se fundir e surgir das duas primeiras, tudo se
misturando ao verde do mar e ao azul do céu, ambos escurecendo com a noite ou clareando
com o nascer do dia. Escolha um bom lugar – a Ponte dos Ingleses, na capital, é
o ponto mais famoso e talvez romântico. Fique em silêncio, jogue fora
preocupações, encanações, ilusões, enfim, e simplesmente entregue-se ao que a
natureza proporciona sem pedir nada em troca. Um verdadeiro espetáculo no
horizonte, muito além do que qualquer produção humana seria capaz.
Então, o Ceará não é apenas tricolor (como se isto não fosse
suficiente por si só)? Não, o Ceará é capaz de produzir todas as cores do
mundo, tal qual as areias coloridas de Morro Branco que viram arte nas mãos
habilidosos de artesãos anônimos, postas em garrafinhas de vidro, onde surgem
paisagens idílicas e escudos de times de futebol. Com as cores do Ceará.
E poucos lugares no mundo que possam eventualmente ter cores
semelhantes são capazes de brilhar como brilham as cores no Ceará. Porque
poucos lugares no mundo têm à disposição a energia e o calor do sol, irradiante
da aurora ao poente, inspirando e criando. Cores e vida – por mais que, em meio
às dunas, o que se veja é a ausência, um nada assombroso, um sobe-e-desce ao
sabor dos ventos e do tempo. É certo que um ou outro coqueiro, ou palmeira, ou
carnaúba, risque a paisagem como espectadores privilegiados de um espetáculo
(sim, colocaram muitos pinheiros por lá para segurar a areia, mas isto é ação
do homem e não conta).
Ver e sentir as três, sete, dezenas de cores do Ceará é um
bom convite ao ócio. Ao ócio criativo. É ser naturalista por um instante, um “bon
vivant” que entende a sua pequenez diante da grandeza da paisagem. E por isto
mesmo sabe curtir. Ainda que seja um breve momento. Diante das cores do Ceará,
qualquer momento torna-se eterno. "Carpe diem"!