As pontes da Itália

Pontes são tradicionalmente vias de união. Ligam extremidades e, muitas vezes, ligam culturas, costumes e histórias. Não é à toa que, no decorrer dos tempos, muitas delas ganharam fama mundial. Dos centros mais modernos - como Nova York e a famosa ponte do Brooklyn (já retratada aqui) - até as regiões mais antigas, elas estão lá moldando o cenário e ajudando a formar um enredo único.
Na Itália e suas cidadelas medievais e renascentistas, as pontes são uma atração à parte. Não é possível, por exemplo, passear por Florença sem cruzar a Ponte Vecchio. Ela talvez seja o caso mais acabado da união entre dois mundos (quem conhece a cidade sabe que a parte histórica, central, fica de um lado do rio Arno, enquanto a outra é a “periferia”).
Até por sua característica física, a Vecchio tem histórias. Ela própria separava dois mundos. A rica família Médici só cruzava a ponte por um andar superior, enquanto embaixo ia o povo. Naquela época, a Vecchio abrigava comerciantes ditos de segunda classe (a história relata que a região fedia por causa dos vendedores de carne, que costumavam atirar restos do produto diretamente no rio). A solução encontrada foi estimular a presença de outra gama de comércios. Surgiu, ali, o mercado de jóias, presente até hoje.
Cruzar a ponte Vecchio é, portanto, conhecer todos esses detalhes, escondidos em cada pedra de sua estrutura em arcos, em cada parede dos imóveis ali erguidos – muitos dos quais, sobressalentes na lateral externa, parecem coloridas casinhas de brinquedo coladas parede.
Uma multidão se arrasta pela ponte todos os dias, atraída pelas lojinhas, pela história do lugar ou simplesmente pela vista magnífica que ela proporciona, esteja do lado que estiver. Já virou tradição admirar – e fotografar – o esplêndido reflexo de Florença nas águas calmas do Arno a partir da ponte bem como observar, estupefato, as cores do horizonte ao entardecer.






Em Verona, a cidade de Romeu e Julieta, é a ponte Scaligero que se apresenta como singular. Ela se diferencia de outras pela sua estrutura em tijolos, o que lhe confere um tom vermelho-alaranjado. Também chama a atenção sua estrutura em torre, que lembra um daqueles castelos de brinquedo da infância. O cenário é reforçado pela presença, ali ao lado, do Castelvecchio. As águas verde-escuras – e um tanto agitadas – do rio Ádige completam a cena.
Construída no século 14, a Scaligero original foi destruída no dia 24 de abril de 1945 durante a retirada das tropas alemãs no final da Segunda Guerra Mundial. Sua reconstrução começou quatro anos depois, tendo sido concluída em 1951. Manteve suas características originais. Com calçamento de pedra, ela costuma atrair casais enamorados que sobem em suas estruturas para trocar carícias e juras de amor.
Numa cidade marcada pela história, a Scaligero domina a paisagem da região onde está situada, seguindo reto pela via Roma a partir da Piazza Bra. Ela fica bem ali onde o Ádige faz uma de suas curvas, entre as pontes Risorgimento no poente e Vittoria no lado oposto.
Também famosa é a ponte Pietra, em outra curva do Ádige, nas costas do Duomo. Ali, a cidade se revela em todas as suas cores e o seu esplendor, ao mesmo tempo que revela todo o vigor da natureza ao seu redor, na qual a arquitetura se encaixa harmonicamente. A Pietra fica bem ao lado do Teatro Romano, região mais antiga de Verona, um verdadeiro sítio arqueológico com resquícios da dominação romana.





Em Vicenza, cidade próxima, o destaque é a ponte San Michele, datada de 1620. Escondidinha entre antigas vielas, ela mais parece um cartão-postal. Pequena, de arcada única, pedras esbranquiçadas marcadas pelo musgo e os balaústres, a via corta o rio Retrone. Junto com as antigas construções, algumas com tijolo aparente, e a vegetação das margens, forma um conjunto bucólico e poético.
O reflexo da única arcada da San Michele na água constroi um anel (um tanto deformado, é verdade) que reforça o simbolismo da ponte como união. Para valer a vista, é preciso observá-la a partir de outra ponte, a San Paolo - esta mais simples, tendo como únicos atrativos seu gradil negro e suas floreiras.


Em Veneza, a ponte dos Suspiros ganhou fama por um motivo distinto. Ela servia de ligação, como todas as demais, de dois extremos: a liberdade e a prisão. Ganhou este nome porque era a última visão que os prisioneiros tinham antes de ir para o cárcere – escuro, úmido e insalubre – na masmorra do Palácio Ducale, a sede do poder veneziano nos tempos áureos.
Do ponto de vista arquitetônico, trata-se muito mais de uma passagem do que propriamente de uma ponte. Uma pequena faixa de pedra esbranquiçada, com objetos decorativos, harmonicamente combinada com a estrutura do palácio. Os leões de Veneza estão lá.
Para o último suspiro de luz natural e ar puro daqueles que vão para o fundo do poço da dignidade humana, há duas janelas. As janelas que fazem jus ao seu nome e à sua fama são, na verdade, pequenos quadrados decorados com símbolos aparentemente florais em pedra. Resta mesmo pouco espaço para apreciar a beleza estonteante da cidade feita sobre as águas. Não, os prisioneiros não mereciam mais do que um simples suspiro, devem ter pensado os que a projetaram.
Olhando de fora, a ponte até parece sublime e pacífica, quase angelical. De dentro, o que sobrou dela foi uma passagem escura, suja, desbotada, marcada pelo tempo. O contraste interior-exterior é apenas mais um num lugar feito para ligar o princípio ao fim, a vida e a morte. Um suspiro, basta um suspiro...


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