Por falar em origem, o bairro
mais famoso de Nova Orleans – fundada em 1718 - traz no nome a raiz do lugar. O
French Quarter faz menção à colonização francesa da região (daí os nomes
Orleans, de família real da França, e Louisiana, homenagem ao rei francês Luís
14). É nesse bairro onde estão os imóveis históricos. É uma área pequena, ideal
para caminhar. Passeie de modo errante pelas ruas ora tranquilas, ora
tumultuadas. Preste atenção no som que escapa pelas portas e nas figuras
inusitadas que surgem pelo caminho. Há gente de todo tipo: jovens e velhos,
clássicos e alternativos, em busca de paz e de sexo, gays e heterossexuais,
gente com roupa e sem roupa, bêbados e sãos...
Atenção: deixe pré-conceitos
e preconceitos de lado e curta a diversidade e a multiculturalidade que são
marcas da cidade. Acredite: tantos tipos diferentes convivem em perfeita
harmonia. É absolutamente normal ver famílias com filhos pequenos e casais de
senhores e senhoras andando ao lado de jovens seminuas, bem como é claramente
apresentada a oferta de sexo pago nas ruas, mas ninguém é abordado
ostensivamente (colares do Mardi Gras à parte, mas isto é uma grande
brincadeira).
São poucos policiais nas ruas,
mais para “marcar presença” do que necessariamente garantir a segurança dos
turistas. Ninguém mexe com ninguém, cada um se diverte à sua maneira sem
incomodar os demais (desde, claro, que você tenha deixado os preconceitos de
lado porque sim, verá mulheres com seios à mostra, jovens de sunga,
“go-go-boys” dançando na calçada e etc). É a concretização do respeito ao
espaço do outro.
O ecletismo é tamanho que
junto de toda essa bagunça convivem respeitosamente fanáticos religiosos
pregando o fim dos tempos e condenando ladrões, mentirosos, prostitutas,
garotos de programa, adúlteros e pecadores em geral. Pregam sua “verdade”
em meio à luxúria da Sodoma e Gomorra do século 21.
Tudo isto acontece com mais
frequência na Bourbon Street, a rua principal do French Quarter. É lá também
que estão os principais sons de Nova Orleans – e eles não são exatamente jazz e
blues. Para decepção de quem espera encontrar-se com a história musical do
lugar, ouve-se mais pop rock e tecno em agitadas baladas regadas a altos
decibeis, bebida e talvez sexo do que necessariamente o clássico som que emana
de contrabaixos, pianos, saxofones e clarinetes.
Não estranhe também se
encontrar os que tiram um cochilo pelos bancos e becos da área. Neste caso, não
são necessariamente vítimas da crise econômica que atingiu os EUA (e Nova
Orleans em especial, devastada pelo furacão Katrina em agosto de 2005); são
mesmo vítimas da noite anterior (e do excesso de bebidas).
Tudo isto acontece às margens
do Mississipi, no ponto onde o famoso rio que corta o país de norte a sul
encontra o mar (no caso, o golfo do México). E quanta história tem o Mississipi.
Além da sua importância econômica como meio de escoamento da produção
norte-americana, o rio é uma das causas do agrupamento de pessoas naquela área séculos
atrás, notadamente escravos – daí os ritmos que ali nasceram. Assim, um passeio
pelo rio vale muito mais pelo sentido geográfico-histórico do que propriamente
pelas atrações que estão pelo caminho (porque efetivamente elas não estão).
Já escrevi tudo isto sobre
Nova Orleans e sequer deixei o French Quarter. E, para minha surpresa, descobri
que existem muitas cidades em uma só. Bairros modernos e clássicos, muito
diferentes da área turística. Vi uma cidade avançada em muitos lugares,
reconstruída em outros (é incrível pensar que tudo ali foi devastado sete anos
atrás). Tampouco falei sobre a cultura crioula e a influência do vodu (ou vudu)
na região – e estas são marcas muito fortes na culinária, na língua, nas
vestimentas, etc. Ou seja: Nova Orleans voltará a este blog.
Em tempo: Mardi Gras (“terça-feira
gorda” em francês) é o nome do famoso carnaval de Nova Orleans. É quando, por
tradição, mulheres atiram colares para os transeuntes. Se os colares são
recebidos, a tradição prevê que elas mostrem os seios, o que não é nada para os
tempos modernos e para o que se vê na cidade. A festa acontece em fevereiro,
mas suas práticas (como a tradição dos colares) se estendem durante todo o ano
– geralmente eles são jogados por turistas como brincadeira.
Há diversas lojas que vendem
os famosos colares. Eles são brilhantes e coloridos - as cores típicas da festa
predominam, cada uma com um significado: dourado (poder), verde (fé) e roxo
(justiça). Há até modelos ousados, com recados como “Fuck” e penduricalhos
que imitam órgãos sexuais.
A tradição - que na região
remonta ao final do século 17 - é tão presente e importante para a vida local
que colares do Mardi Gras são vistos até nos portões de casas afastadas da área
histórica. Dezenas deles estão também pendurados nas árvores e aparecem até nos
cemitérios seculares de Nova Orleans.
Foi só quando cheguei à
cidade que tive noção da extensão da festa e das brincadeiras (achava que tudo
se resumia aos dias do evento, como no carnaval brasileiro). E foi só ao estar lá
que entendi porque no aeroporto, quando a atendente da companhia aérea viu o
destino indicado na passagem, sorriu e anunciou um tanto maliciosamente que
iríamos – o amigo que me acompanhava e eu – “have fun” em Nova Orleans. Foi a
mesma reação de uma outra pessoa quando comentei que estivemos na cidade.
Antes que me esqueça: foi
nessa cidade que vi um daqueles ônibus que circulam com uma festa em seu
interior. No caso, uma festa bem quente: lotada e movida a sexo. A cena podia
ser vista da rua, pela janela do veículo. Sexo um tanto selvagem pelo pouco que
vimos na passagem do ônibus. Isto também é nova Orleans. “Have fun!”, “Have
fun!”...