O Canadá é um desperdício (leia para entender)

“Foi ao lugar mais chato do mundo civilizado, o Canadá”, escreveu com sua habitual acidez Paulo Francis. Está lá no “Diário da Corte” de outubro de 1986, a coluna que ele tinha no jornal “O Estado de S. Paulo”, também reproduzida na coletânea homônima (página 260) publicada pela Três Estrelas, com organização de Nelson de Sá.
O Canadá não é chato – bem, talvez ocasionalmente. Talvez seja um tanto blasé. Ou, como defini (e acho mais apropriado), um desperdício. É mais ou menos assim: um grande pedaço de terra para pouca gente (embora seja justo registrar que a maior parte do território é praticamente inóspita). Você chega no principal aeroporto do país, o da maior cidade (Toronto), e de repente se depara com um imenso saguão vazio, um funcionário esperando por você. Um desperdício. Você vai ao despacho de bagagens e as esteiras todas estão paradas. Não há ninguém no local. Um imenso vazio.
Esta talvez seja a principal impressão do país, a primeira (é ela que fica, não?). O Canadá é um desperdício. De terra, de dinheiro, de tecnologia. Falta-lhe também um pouco de personalidade, algo que possa ser chamado de seu. Não que o país não o tenha, mas o que possui, esconde. Afasta. A história canadense foi assim, a dominação inglesa expulsou os nativos – estes sim, com cultura e tradição seculares e únicas. Este é, na verdade, o Canadá, aquele que não se conhece (ou que se vê hoje nos museus).
Não que o país seja “o lugar mais chato do mundo civilizado”, mas considerar que existem apenas três grandes cidades (Toronto, Montreal e Vancouver, pois a capital Ottawa é minúscula e quase desprezível até para os locais – um motorista de ônibus perguntou-me, espantado, o que afinal eu, brasileiro, fazia lá...) é um bom sinal do tal desperdício.
É verdade que as cidades são vibrantes – no caso de Toronto, eletrizante. Contudo, até o caráter multifacetário das três colabora para despersonalizá-las ao atrair gente de todo o mundo. A diversidade étnica e cultural talvez seja a principal característica da sociedade local, mas é inevitável sentir a ausência de uma marca que caracterize o país. Ok, o Canadá é a terra da maple, a tradicional árvore cuja folha está estampada na bandeira nacional. Mas onde se vê a maple? No país que a gente não vê, na parte apagada da história, guardada nos museus. Ok, o Canadá é a terra dos ursos e dos esquimós, mas onde eles estão? No país que a gente não vê.
De repente você vai a um daqueles vilarejos do interior, como Niagara-on-the-lake, e se depara com um lugar feito para um conto de fadas. Gente tranquila, ruas tranquilas, residências e lojas que se parecem com casinhas de boneca. E de repente você vai para o campo e vê uns casarões em meio a grandes áreas verdes cercadas de árvores frondosas que perdem suas folhas no inverno. E se pergunta: onde estão as pessoas? Um desperdício este país...
Seja como for, o Canadá é lindo sim, as cidadezinhas guardam um charme singular, as grandes cidades não devem nada às irmãs norte-americanas, a sociedade é pacífica e desenvolvida (em todos os aspectos). Talvez isto tudo seja a parte “chata” à qual Paulo Francis se referiu. “O lugar mais chato do mundo civilizado...”.
E se por acaso alguém se atrever a achar que o país é o quintal dos Estados Unidos, como pejorativamente muitos afirmam (embora no aeroporto esteja a alfândega norte-americana em pleno território canadense), saiba que os canadenses não estão nem aí com isso: eles preferem assim, viver em paz, longe de disputas econômicas, políticas, bélicas. Que chato isto, não?! (É o que diria Paulo Francis...)

PS: no fundo, será que não está correta a frase estampada na lateral da escadaria de uma livraria localizada no Eaton Centre, em Toronto?


* A segunda foto é minha; a primeira, de Carlos Giannoni de Araujo

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