Valpo, um paraíso (urbano)

Ela é popularmente chamada de Valpo. Um nome carinhoso para uma cidade charmosa. Banhada pelo mar e cheia de energia, Valparaíso – a capital legislativa do Chile – tem uma mistura de cores fascinante. E uma mistura de características urbanas que provocam uma rápida identificação por parte dos brasileiros. Pois é, inevitável não enxergar um pouco das favelas cariocas no amontoado de casas nos morros.
Ao contrário dos exemplares brasileiros, porém, as casas de Valpo viraram atração cultural. São patrimônio da humanidade. Pela arquitetura diferenciada, pela solução urbana em que se configuraram numa cidade de geografia difícil, pelo charme que atribuíram à paisagem local, pela combinação perfeita com os ascensores (os funiculares) puxados morro acima por longos cabos de aço – estes também um patrimônio (cuja manutenção é alvo de debate entre o governo local, estadual e federal).
Mas é mesmo o colorido das casas que confere todo o charme a Valparaíso. A arquitetura colonial, muitas vezes marcada pelo tempo, ganha vida com o vermelho, azul, amarelo, verde das fachadas, janelas e portas, em tons alternados. No Brasil, talvez chamassem isso de “brega”. Em Valpo, é motivo de orgulho – não é à toa que o logotipo da cidade traz as cores fortes dos imóveis dos cerros (ou morros); não é à toa que as casas locais estão por toda parte, nas lojas de souvenires e em obras de arte como um dos símbolos do país. A escadaria do bar no Parque Arauco, em Santiago, por exemplo, reproduz – com criatividade e genialidade – as coloridas casinhas.







A cidade poderia valer só por isso, mas ela tem mais. O porto, o mais movimentado do país, também confere à paisagem um ritmo e um colorido que combinam perfeitamente com as casinhas nos morros. O colorido vem dos navios e, principalmente, dos contêineres que levam e trazem produtos do Chile para o mundo e do mundo para o Chile. Do alto, parecem caixinhas de brinquedo sendo carregadas de um lado para o outro. De perto, são gigantescos, bem como os guindastes que os transportam. Movem-se em ritmo lento, cuidadoso, e movem-se sem parar, um caminhão atrás do outro. A economia não pode parar, o mundo não pode parar – navegar é preciso, já dizia o poeta; e hoje, na era da globalização, navegar produtos é preciso. E Valpo cumpre seu papel - são milhões de toneladas em carga (foram 10,8 milhões em 2008).



Uma cidade vibrante e colorida assim não podia deixar de ter arte na rua. Em Valparaíso, como provavelmente em nenhuma outra cidade do Chile, o grafite redesenha a paisagem urbana. Num país acostumado às pichações em sinal de protesto (assunto tratado no blog Bate-Bola), a grafitagem ganha um significado especial. É arte de rua, rebelde e revolucionária, mas ao mesmo tempo integrada (o que, para muitos artistas, tira dela seu verdadeiro valor, o de provocar e ser marginal).
Seja como for (e polêmica à parte), os grafites estão espalhados por todo lado, nas fachadas das casas, nos pilares e muretas dos viadutos, em áreas públicas e privadas. Coloridos sempre, para manter a tradição local.
Tudo somado, Valpo é um quadro a céu aberto. Um quadro de casinhas, caixotes e murais. Uma obra inacabada, ou melhor, em eterna transformação. Um cenário vibrante, com gente que vem e vai, que sobe e desce, que pinta e rabisca e cria e transforma. Valpo é única no Chile, única no mundo. Lá, o mar – quase sempre protagonista nas cidades do litoral (vide a vizinha Viña del Mar, que o carrega até no nome...) – assume humildemente um papel figurativo.
Em Valparaíso, o charme, a cor, o brilho e o tom vêm mesmo das ruas. É da arquitetura urbana construída pelas mãos do homem que emana a energia do lugar. Uma energia em vermelho, amarelo, azul... Uma energia capaz de levar, ainda que por um instante, qualquer alma transcendente ao paraíso. Um paraíso chamado carinhosamente de Valpo.






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