O saguão do hotel

A leitura de Joe Sacco e sua forma criativa e direta de expor - por meio de cenas do cotidiano - as tensões na disputa entre árabes e judeus na Palestina despertou o desejo de refletir sobre os encontros fortuitos proporcionados pelas viagens. Via de regra, quando viajamos, qualquer encontro é novo, revelador de costumes, crenças e pensamentos.
Fazendo estas reflexões, dei-me conta – com certo atraso, confesso – da importância dos hotéis para estes encontros e descobertas. São lugares de passagem por princípio, onde pessoas vêm e vão a todo instante. Queiramos ou não, nos hotéis sempre nos deparamos com conversas alheias, modos diferentes de se vestir e se alimentar, gostos que revelam culturas e aprendizados.
Foi assim que lembrei de uma noite em Verona, na Itália. Cheguei ao hotel e, de súbito, decidi ir ao bar. Havia um homem, solitário, na altura dos seus 65 anos, bebendo whisky e conversando com o atendente. Sobre o que falavam, não me recordo. Nem sei se prestei atenção. Pedi uma cerveja, momento em que o outro hóspede balbuciou algumas poucas palavras em minha direção. Respondi algo que também não me recordo. E segui, tranquilo e igualmente solitário, lendo o caderno esportivo de um jornal.
Até que entrou um grupo de ingleses. Eram cerca de 12 ou 15 pessoas. Cavalheiros e suas esposas, uns mais jovens, outros mais velhos, todos rindo muito e falando muito e gesticulando muito – e, com o tempo, bebendo muito. Whisky, drinques, cerveja. Tiravam sarro uns dos outros, reproduziam as versões de seus países do eterno conflito entre homens e mulheres. Aparentemente, chegavam de algum evento social, bem trajados que estavam. Ficaram ali longos minutos, talvez mais de uma hora. Animados e animando o ambiente até então silencioso do saguão daquele confortável hotel.
Ainda na Itália, em Milão, um prestativo atendente com feições indianas era responsável por limpar as mesas do café da manhã. Desejava “bom dia”, trazia garrafas de água, preparava café com achocolatado para o filho pequeno, bebê de colo, de um jovem casal italiano. E colocava ordem no lugar. Foi o que percebi quando duas senhoras, idade um tanto avançada, começaram a recolher algumas frutas da mesa principal, três ou quatro, antes de deixarem o recinto. Sem pestanejar (e sem discrição alguma porque na Europa isto às vezes é dispensável), ele disparou em voz alta – num inglês marcadamente com sotaque: “Senhoras, as frutas não são brindes. Maybe one! Maybe one!”.
Nos Estados Unidos, certa noite cheguei ao belo hotel Marriott na capital Washington D.C. um pouco antes do que tinha planejado. Estávamos em três. Uma amiga, cansada, decidiu ir direto para o quarto. Um amigo e eu queríamos mais cerveja, mais papo, mais lazer. Encontrar algo após as 22h na capital do império norte-americano, porém, não é tarefa fácil. A opção, então, foi o bar do hotel. Grata surpresa.
Conforme a noite avançava, mais pessoas chegavam. Umas vinham da rua, outras desciam dos quartos, alguns encontros aparentemente secretos. Foi esta a impressão que tive ao observar a reunião que desenrolava na mesa próxima. Um homem de terno, talvez um lobista (estávamos na capital do poder), parecia negociar - num jogo (desnecessário quando se trata de sexo pago) de charme e sedução – o preço de uma noitada.
Mulheres de meia-idade elegantemente trajadas, fumando e bebendo muito, perfis de caçadoras vorazes. Homens de cabelos grisalhos, recém-saídos de reuniões de negócio, em momentos de descontração. Uma ampla reunião de médicos, como constatei na manhã seguinte ao saber que o hotel sediava um evento da classe. Todos ali, naquele momento compartilhando o mesmo tempo e espaço – enquanto eu pedia mais uma Bud e esgotava a porção de salgadinho.
Hotéis, aeroportos, estações ferroviárias. Chegadas e partidas, encontros e despedidas, uma reunião de culturas, histórias e destinos. Uma babel de vidas. Que todo viajante merece compartilhar. Por isso, da próxima vez, não vá diretamente para o quarto. Experimente ficar alguns minutos no saguão. Você viverá momentos agradáveis e terá histórias para contar, acredite!

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