Um passeio em Odenthal

Nosso destino era Odenthal, uma pequena cidade de 15 mil habitantes encravada em verdejantes colinas no estado da Renânia do Norte-Westfália. Nosso anfitrião, Hans. Familiar, não? Eu me deparei com pouquíssimos “Hans” em 20 dias na Alemanha, talvez um, aquele, ainda assim o nome provoca uma identificação direta dos brasileiros com os germânicos.
O endereço, rabiscado numa agenda, devia ser tão isolado ou distante que o GPS recusava-se a indicar o caminho. Resultado: chegamos a Odenthal, até achamos a rua, mas a casa número 6... ali estava ela! Apaixonado pelo Brasil, onde tem uma fazenda, Hans providencialmente deixou no portão branco de sua casa o que poderia ser naquele momento o melhor, mais confortável e íntimo sinal de reconhecimento para os visitantes: uma bandeira verde e amarela.
A casa era curiosa. Nada daquelas construções tipicamente alemãs, em formato triangular, com longas vigas de madeira marcando sua fachada. Era, sim, uma espécie de sobrado, que não parecia um sobrado. Numa cidade nas colinas, numa rua em declive, os três pavimentos da casa tornavam-se quase imperceptíveis do lado de fora. Embaixo, a garagem. Em cima, os cômodos propriamente ditos. Uma construção ampla, com pelo menos quatro quartos. Era a primeira vez que eu ficava numa casa de família durante uma viagem.
Tão logo chegamos, lembrei das histórias sobre a reticência alemã em relação aos brasileiros e a nossa “mania incompreensível” (para eles) de tomar longos banhos. Eram por volta das cinco e meia da tarde e logo comecei a identificar alguns costumes locais, como a do jantar um tanto cedo para os padrões brasileiros. A mesa estava posta, à nossa espera (e eu confesso que fiquei temeroso, pois não aprecio a culinária alemã). Um saboroso e aquecido caldo de cebola, pães, queijo, geléia e tomate (cultivado ali mesmo, no jardim) puseram fim ao meu descabido temor.
Era outono, o clima estava gélido e anoiteceu rapidamente – o que talvez explique o jantar quase vespertino. Meu quarto ficava no pavimento intermediário entre a garagem e o nível superior. O declive do terreno me permitiu uma visão privilegiada: estava exatamente no nível do jardim frontal. A luz da lua, num branco incandescente naquela noite escura, invadia o cômodo com um brilho espetacular. Lá fora, o orvalho, as árvores, as flores. Uma visão mágica.
No dia seguinte, após o café, fomos caminhar. Seguimos o declive da rua, em direção a uma estrada. Passamos por casas igualmente belas, com amplos e coloridos jardins. Descobri que os alemães apreciam a arte da jardinagem. Convivem pacificamente com a natureza. Muito diferente do cenário de muros altos e cercas elétricas que caracterizam as casas brasileiras.

A estrada ficava em meio a uma espécie de floresta, não daquelas densas, como as tropicais, mas com pinheiros altos, copas finas, vegetação rasteira, invernal. Éramos quatro – Hans, o amigo Toco e sua esposa Maria Helena e eu, além de Breno, o cão, que corria à frente do grupo. No caminho, cruzamos com um vizinho. “Moin-moin!”, foi o que me soou aquele “bom dia!”. Quis saber o que a expressão significava, já que havia decorado o tradicional “Guten tag”. Hans explicou que aquele era um “bom dia” na gíria local, do norte da Alemanha.
Viajar é descobrir e aprender...
Na floresta, soubemos por meio de Hans que “kühl”, tradicional sobrenome na minha cidade, significava “fresco”. O clima! Era uma manhã fria e a caminhada exigiu pesadas roupas, o que para um brasileiro era algo um tanto estranho, inusitado até. Mas certamente não foi à toa que uma autoridade local afirmou que Odenthal, “com seus vales e lindos riachos, é um paraíso para caminhadas”.
De volta à casa, fomos para a sacada. Foi a primeira visão mais ampla daquela cidade, que se arrastava pelas encostas tal como queijo ralado jogado sobre um prato qualquer. A comparação parece mesmo esdrúxula, ainda mais diante daquela visão, mas é cabível. É um formato muito diverso das cidades brasileiras. Logo imaginei aquela mesma área coberta de branco, o que certamente se veria meses depois, e isso me deu uma incrível sensação de tranquilidade.
No gradil, várias floreiras exibiam os últimos sinais do outuno. Flores vermelhas, brancas, lilás. Flores que logo estariam secas, mortas. É sempre assim, disse Hans. O ciclo da vida. Na Alemanha, ou ao menos naquela região, contou o anfitrião, é tradição ornamentar as casas tão logo o inverno se vai. Quem plantar as flores primeiro e demonstrar mais esmero no cuidado do jardim “vence” uma disputa silenciosa, porém bonita. Uma saudável disputa entre os vizinhos para exibir o primeiro jardim da temporada.
E ali ficamos, olhando, vivendo, aprendendo. Olhando para uma cidade que está fora dos roteiros – embora esteja ali, ao lado de Colônia, famosa por sua água e por sua catedral. Uma cidade diferente, nas colinas. Uma cidade alemã. Uma casa alemã. Uma família alemã. Dank, Hans!


PS: fica em Odenthal, numa região de floresta, um vale às margens do rio Dhünn, a Catedral de Altenberger (Dom Altenberger em alemão). Um templo cujas raízes remontam a um mosteiro do século 12 e que serve desde 1857 a católicos e luteranos, uma determinação do então imperador da Prússia, que financiou a reconstrução do local após um incêndio.
A igreja – um belo exemplar da arquitetura gótica - está intimamente ligada à história medieval daquela região, mais especificamente aos condes de Berg, que dominaram aquela área durante séculos.

No Pompidou, tout va bien!

Cheguei ao Centro George Pompidou no meio de uma tarde cinzenta. Estava um tanto cansado das aventuras por museus e confesso que naquele momento me atraía muito mais a arquitetura inusitada daquele prédio do que propriamente o que ele guardava em seu interior – que, aliás, eu desconhecia.
Como uma grata surpresa, porém, o Pompidou – assim chamado pelos íntimos – se revelou. A começar da praça (praça?) na qual está inserido. Um espaço aberto, na verdade uma grande rampa de acesso, onde jovens, senhores e senhoras de todos os cantos dançam, cantam, pintam, leem, namoram, caminham, passam as horas, ou melhor, deixam o tempo passar. Existisse ali alguma banda, não seria exagero chamar aquele local de um pequeno e moderno Woodstock.
Naquela tarde, logo na esquina, artistas anônimos ganhavam seus trocados fazendo caricaturas de dezenas, centenas de turistas. Adiante, um casal de jovens, deitado, lia tranquilamente alguma obra de Proust ou Paulo Coelho, quem sabe. Um outro senhor, solitário, pernas esticadas, aparência de Machado de Assis, folheava um grosso volume. Próximo dele, um grupinho entoava alguns cantos. Um outro casal, ela loira, ele ruivo, fazia um pequeno piquenique. E a família unida, pai, mãe, o filho pequeno brincando com seu cubo colorido enquanto o irmão menor dormia sossegadamente no carrinho, simplesmente vivia a vida.

Da arquitetura esquelética do Pompidou, a tal praça exibe alguns grandes tubos de ventilação brancos. Parecem gigantescos ventiladores. A fachada do prédio lembra aquelas estruturas montadas em festas, um monte de ferro encaixado um ao outro, um gigantesco andaime. Uma escada externa, quase pendurada, reforça a sensação de uma estrutura montada. Seu pátio interior lembra a engrenagem de um relógio. O cinza do ambiente serve de pano de fundo para realçar as cores. O azul predomina. Tem branco, verde, vermelho e amarelo também.


O Pompidou é um centro cultural. Tem cinemas, salas de exposições, galerias, museus, cafés, espaços para entretenimento. É um daqueles locais onde uma das obrigações é simplesmente observar o movimento à sua volta. Experimente fazer isso de um dos cafés do mezanino. Será muito divertido. Ou ainda (e também) da escada rolante, aquela mesma que fica pendurada do lado de fora. Olhe a praça, sinta a energia.
O destaque do centro é o museu de arte moderna e contemporânea. Lá estão pinturas de nomes como Miró, Matisse e Kandinsky e exemplares fantásticos daquele tipo de arte que grande parte das pessoas costuma perguntar: “mas isto é arte?”. Bem, a quem tiver olhos para enxergar, a resposta será sim. Um tipo de arte que faz refletir, alegra e diverte. E isto é a essência do Pompidou. Até porque, lá tout va bien, como avisa o grande mural na entrada do museu.



E como parar e observar é uma obrigação - no Pompidou e em Paris -, decido reservar um tempo para isso na saída. Sento em uma grande estrutura de concreto ou pedra, não sei ao certo. Há gente por todo lado. Há vida por todo lado. Um grupo de jovens se aproxima. Alguns deles se sentam. Parecem italianos. Ou seriam franceses? Não, as línguas são bem distintas. Há mais rapazes do que moças. Um deles, sentado próximo, abraça um colega. Entrelaça-o com as pernas. Trocam afagos. É Woodstock. É o Pompidou. É Paris.
Tout va bien!

PS: faltou algo nesta história. Onde estavam, afinal, as veias e artérias do Pompidou, seus famosos tubos coloridos? É só dar a volta no quarteirão...

* Algumas fotos foram tiradas pelo amigo Cristiano Persona, que compartilhou esta aventura.

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