Como eu já
conhecia o lugar e seu valor histórico (foi a primeira capital dos Estados
Unidos e berço dos movimentos pela independência do país), passei a valorizar
nas andanças por lá outros detalhes. A arquitetura, por exemplo. Não que eu a tivesse
ignorado na primeira vez em que estive na cidade; impossível fazer isto num
lugar famoso (ao menos na Old City, no centro histórico) pelas marcas do
passado. É que na segunda vez me deixei levar pelo que as fachadas e contornos
dos prédios diziam. E o que diziam? “Eis aí a sua infância!”
Lendo assim
pode parecer difícil de entender. E é – sutil como são as lembranças de
infância. Quando criança, uma das minhas diversões favoritas era brincar com
Playmobil. Para quem não conhece, são peças (bonecos - homens e mulheres,
crianças, casas, bancos, circo, lancha, avião, helicóptero, barcos, carros,
motos, polícia, bombeiro, etc) que reproduzem o nosso cotidiano. Você vai montando
e criando sua própria brincadeira. Juntávamos uma turma – irmão, primos, amigos
– e cada um trazia as suas peças. Passávamos horas indo e vindo com nossos
carros, entrando e saindo das casas, assaltando bancos e sendo presos pelo
xerife.
Xerife? Exatamente.
É aí que entra a Filadélfia. As peças do Playmobil vendidas no Brasil são
cópias das originais desenhadas nos Estados Unidos. Sendo assim, reproduzem (o
brinquedo existe até hoje, agora mais sofisticado) o estilo de vida
norte-americano. Os cromos para colocar nas peças vinham todos em inglês:
“Police”, “Bank”, “Ambulance”, etc. As peças tinham estilo “ianque” – as
cabanas indígenas e os índios eram apache, não os nossos tupi-guarani. Assim, o
chefe da polícia era o xerife, coisa que não existe no Brasil. E a arquitetura
das casas, prisões e bancos seguia o estilo norte-americano do passado, com
fortes marcas do Velho-Oeste.
Ao me
deparar com os prédios da parte histórica da Filadélfia imediatamente lembrei
do Playmobil. Fiz uma verdadeira viagem no tempo. Em cada fachada eu enxergava
a delegacia, o hotel, as casas das minhas brincadeiras na infância. Era algo
realmente mágico, uma sensação única e especial, que eu não conseguia – nem
podia – compartilhar com ninguém. Um sentimento meu, só meu, porque aquela era
a minha história. A história de uma criança que sonhava enquanto brincava e
estava naquele momento revivendo um sonho, agora em tamanho natural tal qual um
parque de diversões.
O antigo
prédio de tijolinhos com as janelas amarelas salientes me lembrou o banco em
miniatura no qual colocávamos o cofre e onde prendíamos os malfeitores,
deixando pendurado na fachada o cinto com o coldre do revólver do xerife. O
detalhe triangular acima das fachadas era como o do suporte do letreiro que
encaixávamos junto ao telhado das nossas pequenas casas. As escadinhas
angulares pretas eram as mesmas que ficavam na lateral de nossos prédios de
brinquedo, só que as nossas eram marrom, pois imitavam madeira.
Como foi bom
e diferente caminhar novamente pelas ruas da Filadélfia!
Quando um
lugar desperta memórias tão doces e inocentes como as da infância, é capaz também
de despertar e inspirar sonhos. É capaz de nos fazer voar em brandas nuvens
rumo ao infinito. É capaz de nos levar por caminhos de esperança (ou das
pedrinhas amarelas como em “O Mágico de Oz”, outra lembrança dos tempos de
criança). É capaz de atingir a profundeza da alma e desvelar os segredos do
coração. Ah, Filadélfia...
* As fotos são minhas e de Carlos Giannoni de Araujo