A bela Florença

Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental. O princípio declamado pelo poeta poucas vezes se aplicou tão bem a um lugar quanto a Florença, a encantadora capital da encantadora Toscana. “E que maravilhas tem Florença!”
Há quem diga que a cidade é um pouco descolorida (e isto é meia verdade), mas como reclamar de um lugar considerado o berço do Renascimento? É verdade que as fachadas dos prédios costumam se exibir como “autoritárias superfícies”, nas palavras de McCarthy, mas também é fato que as milhares de obras de arte espalhadas pela cidade dão o colorido necessário a um imenso museu chamado Florença. Aliás, não seriam as fachadas cinzentas e amarronzadas ideais para não ofuscar o brilho das obras?
Obviamente, em Florença – como em qualquer outro lugar -, a visão do visitante depende de seu referencial. Provocativamente, poderia dizer aos que amam a vida e o belo que a cidade é a sua mais acabada expressão; já aos incautos e míopes, sim, Florença pode ser só mais um lugar (cinzento e sem vibração). E perguntarão: o que é o belo, afinal? Concordo que no decorrer da história a definição de beleza mudou conforme os padrões da época. Não é, porém, a definição científica, sociológica ou cultural a que me refiro. A resposta pode ser facilmente encontrada no “Davi”, de Michelangelo. Ou nas portas do batistério, que forma com a Catedral de Santa Maria del Fiore e o Campanário de Giotto um dos mais interessantes conjuntos arquitetônicos da Europa.
Não foi à toa que David Leavitt - em seu livro “Florença, um caso delicado” - exclamou: “E que maravilhas tem Florença! Incrivelmente, ela abriga quase um quinto dos tesouros de arte do mundo. Um quinto! Um itinerário completo pela cidade inclui arquitetura, escultura e pintura, os grandes museus (Bargello e Uffizi), mas também os pequenos (Stibbert e Horne), edifícios públicos, palácios e inúmeras igrejas, Boticellis, Leonardos, Michelangelos, Giottos, Masaccios, Fra Angelicos, Gozzolis, Pontormos e Donatellos... E mesmo que você consiga ver tudo isso, mesmo que fique em Florença um ano, ou cinco, sempre haverá algo que você terá deixado escapar, alguma remota igreja conhecida apenas dos conoscenti de conoscing, sobre a qual você será devidamente informado só na véspera de sua partida.” (p. 30)
Sim, Florença é fundamental. Para os amantes da arte, para os amantes da gastronomia (é a capital da Toscana!), para os simplesmente amantes. Os ingleses já se apaixonaram por ela há mais de um século. Outros povos a disputaram ao longo da história – e ela resistiu e venceu, soberana. Ela deu a luz que o Ocidente necessitava em tempos de trevas. Ela deu ao mundo os mais belos trabalhos em telas, mármore e outras pedras. Mãos habilidosas passaram por aquelas ruas.
E para quem diz que Florença não passa de um grande museu, até nisso a cidade inovou: democratizou o acesso à arte. Basta seguir: ali, naquela esquina; lá, um pouco à frente; logo depois do cruzamento...
Hoje, a cidade transpira a elegância que um dia inspirou. Suas ruas trazem esculpidas as marcas da sua história. Em cada ornamento, em cada detalhe, nas Virgens Maria que enfeitam as fachadas de muitos imóveis, em cada suporte de ferro no qual tochas eram colocadas para iluminar o local antes da eletricidade, em cada placa que indica um morador ou uma passagem ilustre.
E sequer falei do Arno, que com suas águas amarronzadas divide a cidade. E da charmosa piazzale Michelangelo, que a observa sublime, com suas luzes e cores. E das flores e jardins, que enfeitam vasos e montes. E dos cheiros e sabores, que atraem e sustentam. E dos ruídos e amores, que divertem e apaixonam. E do ar da Toscana, que inspira.
Então, que me perdoem as feias porque, afinal, beleza é fundamental!

A obsessão celestial de NY

Olhar para o alto é uma necessidade numa cidade famosa por seus arranha-céus como Nova York. Lá estão alguns dos maiores prédios do mundo (antes do “boom” do petróleo erguer construções até então impensáveis nos países árabes) e dos mais marcantes (pelo menos um deles deixou a paisagem há dez anos, fruto da insanidade de alguns). Só em Nova York pode-se ver o Chrysler Building, o Empire State Building e o Flatiron Building, não tão alto, mas tão marcante quanto os outros.
Com estilos arquitetônicos diferenciados, são construções que marcaram época. Até por isso, estes prédios - como bem descreveu a jornalista Giuliana Morrone em uma de suas “Crônicas de NY”, exibidas semanalmente no “Jornal Hoje”, da TV Globo - ajudam a contar a história da cidade.
Alguns edifícios chamam mais atenção por suas histórias. É o caso do Dakota. Localizado em área nobre, em frente ao Central Park, ele ganhou mais notoriedade por causa de um casal de moradores e de um crime ligado a eles. O Dakota foi durante anos a moradia de John Lennon e Yoko Ono. Foi lá, em frente ao prédio, que o ex-beatle foi assassinado.
Há construções que se destacam por sua arquitetura. Um dos mais notórios neste quesito é o Flatiron. Localizado na esquina da Broadway com a Quinta Avenida e a Rua 23, há mais de cem anos ele domina a paisagem da região com seu formato que lembra um ferro de passar roupas. É impossível não notá-lo, sua forma causa estranheza. E graça ao mesmo tempo. Turistas e curiosos em geral podem fazer um tour guiado pelo prédio para conhecer mais de perto suas histórias e sua arquitetura. Junto com os relógios públicos dourados e as floreiras da pracinha em frente, o Flatiron leva a uma romântica volta ao passado.
Vizinho dali, ao lado do Madison Square Park, fica o The Metropolitan Life North Building, mais conhecido como Eleven Madison (devido a um famoso restaurante existente no local). Forma com a Met Life Tower um complexo de destaque na área. Em estilo art decó, também foi construído no início do século 20. Na fachada, um exuberante relógio; no topo, uma coleção de janelinhas e uma reluzente cobertura dourada.


Erguido entre 1930 e 31, o Chrysler Building chegou a ser – bem como o Met Life Tower entre 1910 e 1913 – o prédio mais alto do mundo. A fama durou só um ano. Contudo, a sua arquitetura robótica (esta é uma expressão minha, não procure definições conceituais) permanece lá, intocada. A dureza aparente em razão do revestimento (que parece aço) dos arcos superiores se soma aos gárgulas modernos da Chrysler no topo para configurar ao edifício uma aura de poder que reforça a sua marca (e vice-versa).
Olhando do alto, o Chrysler Building  parece uma grande injeção, com sua agulha pontiaguda ameaçadora. Olhando mais distante, sua imponência torna-se ainda mais reveladora.


Localizado no famoso distrito financeiro de Nova York, o Trump Building (ou 40 Wall Street, seu endereço) também está na lista dos mais altos do mundo. A data de sua conclusão – 1930 - confirma o furor arquitetônico rumo aos céus das primeiras décadas do século passado na cidade. Curiosamente, a expansão vertical de Nova York teve um forte impulso no pós-Grande Depressão (a quebra da Bolsa de Valores local, em 1929, é tida como a maior crise econômico-financeira dos últimos cem anos).
Na paisagem de concreto nova-iorquina, o Trump Building - também chamado de Bank of Manhattan Trust Building - se destaca pelos telhados marcadamente verdes. Esta característica, aliás, confere-lhe um pouco de personalidade diante de uma fachada bege completamente sem vida. Além da cor, o telhado do topo exibe uma arquitetura rebuscada, com curiosas aberturas. Ao redor, pequenas torres lembram catedrais góticas.
Mais recente, inaugurado em 1983, o Trump Tower é dos prédios mais curiosos da cidade. Sua arquitetura moderna contrasta com o estilo mais rebuscado e clássico (quase vitoriano) dos arranha-céus do início do século 20. Todo envidraçado, ele reflete a selva de pedra nova-iorquina. Parece, assim, mais democrático ao servir de espelho para seus vizinhos e supostos “adversários” numa cidade onde a altura é alvo de disputa e sinônimo de poder.
A modernidade do Trump Tower, porém, não se encerra em sua arquitetura. Além da fachada recortada como se fosse um bolo faltando pedaço, ele traz logo acima de sua entrada um pequeno bosque. Um toque ambiental, ecológico e visionário nos anos 80 de sua construção. A simbologia de uma floresta numa cidade de concreto, num mundo que se pretende cada vez mais verde. Um jardim simétrico, um charme irresistível, a vida se manifestando num prédio escuro (ou obscuro?).


Na saga nova-iorquina rumo aos céus, o Empire State é, talvez, o símbolo maior. Desde que as Torres Gêmeas deixaram um vazio no chamado “skyline” de NY, o Empire voltou a exercer o domínio que teve durante anos. Com céu azul e dia claro, ele se destaca com seu topo pontiagudo.
Se o clima estiver nublado, com céu encoberto, o prédio será tomado pelas nuvens baixas (ou será ele demasiado alto?). À noite, assumirá cores variadas, conforme a ocasião. No 4 de Julho (Dia da Independência dos Estados Unidos) e no 11 de Setembro (dia dos ataques terroristas contra a cidade), por exemplo, predominam o azul, vermelho e branco da bandeira norte-americana. Patriótico assim, ele até se confunde com a alma da cidade - e da nação.




E se o Empire State embeleza a paisagem nova-iorquina, observar a cidade lá do alto é ver quão bela é esta paisagem. Os rios que correm como sangue nas veias de Manhattan, a imensidão verde (dependendo da época do ano) do Central Park, o tsunami de concreto dos telhados dos prédios que lembram a estrutura de uma placa de computador...

Peregrinar pelas ruas de uma cidade só para observar os prédios pode soar como loucura ou perda de tempo. Não em Nova York. Lá, os prédios falam. Por eles é possível identificar épocas, estilos e regiões (e até personalidade, não é Donald Trump?). O vermelho alaranjado do Dumbo, a região abaixo da Manhattan Bridge; as famosas escadinhas externas no West Village; as portas charmosas com suas pequenas escadarias de acesso em Greenwich; a sede da prefeitura.

Definitivamente, o “skyline” de Nova York não seria o mesmo se não fossem os arranha-céus. A vista talvez não valesse tanto a pena se não fosse uma cidade que há mais de um século cresce para o alto. Sem sua obsessão celestial, Nova York não seria Nova York. E este texto não teria chegado até aqui...


PS: para ver a crônica da jornalista Giuliana Morrone, citada nesta postagem, é só clicar aqui.

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