Registros do Japão

Quando estudava história, as citações de Ocidente e Oriente não passavam de indicações geográficas. Nunca entendi a fundo o que significava uma cultura “invadir” a outra, como ocorreu com os mouros na Península Ibérica. Esta sensação durou até 1999, quando conheci o Oriente, mais precisamente o Japão. Naquele momento, entendi que os termos estudados nos livros representam muito mais do que geografia; são novos paradigmas. É como olhar o mundo de um outro ângulo.
Ao mesmo tempo, estar no Japão pouco mais de 50 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial proporcionou-me vivenciar experiências das quais só se tem notícia nos livros, filmes, etc. Foi como ver uma parte da história da humanidade bem de perto.
A seguir, alguns registros da viagem:
- Tóquio é, como se sabe, uma metrópole. Como tal, em grande parte exibe um estilo de vida ocidental, muito diferente do que se vê pelo interior do país;
- Logo que chegamos, um aviso aos casais: evitar em público demonstrações claras de carinho, como abraços e beijos. Explicação: isto não faz parte da cultura japonesa – “e eles podem ficar com inveja”, brincou a guia;
- Japoneses são discretos e contidos. Você não os verá dando gargalhadas e gesticulando tanto quanto nós, latinos. A educação, aliás, é a mola mestra da sociedade nipônica;
- O Japão é um país machista. Há 13 anos, quando estive lá, maridos ainda costumavam andar um passo à frente das esposas (segundo a guia, essa tradição estava começando a cair em desuso). Cabia a elas também a tarefa de carregar malas, sacolas, etc. Contudo, quando recebiam seus salários, os maridos entregavam todo o dinheiro à mulher;
- A mão de direção no Japão copia o estilo inglês;
- O motorista do ônibus que nos levou do aeroporto ao hotel gostava de acelerar um pouco e fazer manobras um tanto bruscas. Explicação: os japoneses não gostam de se sentir “empregados” de estrangeiros, segundo a guia. Seriam resquícios da guerra?;
- Tóquio é a cidade mais cara que já conheci. Disparadamente! Em nenhum outro local troquei uma Coca-Cola por água devido ao preço;
- Estar no Japão é constatar que, do ponto de vista da alimentação, somos privilegiados. Lá, bananas são vendidas por unidade – e custam caro, cerca de R$ 20 cada (na época). Um melão custava quase R$ 100. Comprar carne é um sonho. Quase tudo é importado, pois o Japão não tem espaço para plantar;
- A refeição mais tradicional que experimentei incluía uma pequena porção de arroz (bem grudento e sem gosto), folhas de repolho e dois espetinhos de peixe. Só. De resto, provei uma pizza e lanches do McDonald´s (que me salvaram, registre-se);
- Na pizzaria, aliás, uma cena curiosa: quando estávamos comendo, o garçom se aproximou com a conta. Demorou um pouco para entendermos: eram 22h e o local teria que fechar. E nós teríamos que pagar e sair. Simples assim;
- Com uma alimentação baseada em peixes, é difícil (quase impossível) encontrar um japonês obeso pelas ruas. Entre os mais velhos, são todos bem vestidos e quietos. Os mais jovens, por sua vez, exibem os visuais mais doidos que já vi. Gostam de cores, roupas, objetos, maquiagem e cortes de cabelo espalhafatosos;
- É comum ver muitos idosos nas ruas. O Japão é um dos países com a maior expectativa de vida no mundo;
- A falta de espaços cria um cenário curioso: qualquer canto de terra vira cemitério. Isto é mais visível do alto da Tokyo Tower. Como na tradição budista os corpos são cremados, uma pequena sobra de terreno é suficiente para sepultar muitas pessoas;
- A terra é tão escassa no Japão que o preço do metro quadrado em Tóquio é exorbitante. Assim, um apartamento de 40 m2 é considerado de luxo. É comum também famílias alugarem um imóvel por gerações por não terem como comprar um;
- Japoneses também são supersticiosos. No hotel, o painel do elevador não trazia o quarto e o nono andares. É que os números 4 (“shi” em japonês, mesma pronúncia para morte) e 9 (“ku”, semelhante a dor ou sofrimento) são considerados de azar;
- Não vi pedintes no Japão. As únicas duas figuras que se assemelhavam aos nossos mendigos, uma delas vista na estação central de trem, eram na verdade homens que fracassaram na vida e preferiram o abandono. Segundo a guia, é quase uma desonra o fracasso. Por isso, as pessoas não aceitam voltar para a família, preferindo viver nas ruas. Seria outro resquício da guerra?;
- As privadas japonesas são verdadeiros eletroeletrônicos. Elas possuem uma espécie de controle remoto lateral com vários botões que ninguém que não conheça os ideogramas locais entenderá para que servem. Um esguicha água quente, outro água fria, outro faz sabe-se lá o quê (e isto é um perigo num vaso sanitário...). Caninhos entram e saem ao toque dos botões. Chega a dar medo! Como todo eletrônico, alguns exemplares são mais equipados do que outros. Em tempo: papel higiênico só em locais ocidentalizados, como nosso hotel.
- As características de um país que teve que se reerguer e ser reconstruído após a guerra estão por toda parte: superação, determinação e organização.

Os murais da Filadélfia

Filadélfia é a cidade das artes. Inspirada por sua história revolucionária (foi lá que se deu o processo de independência dos Estados Unidos) e pela sua condição de Cidade do Amor Fraterno (“City of Brotherly Love”), a principal localidade do Estado da Pensilvânia transpira arte por suas ruas e prédios. Não é à toa que por ali a “street art”, a arte de rua, ganhou espaço e virou até um roteiro turístico – o “Mural Arts Tour”.
Como descreve o site oficial de turismo de Filadélfia, o projeto dos murais engloba as comunidades, organizações populares, órgãos municipais, escolas e entidades. A ideia é “usar o poder da arte e do processo de desenhar nos muros como ferramenta para promover a participação da comunidade, o embelezamento da cidade, demonstração de civismo, prevenção e reabilitação do crime. É a razão pela qual Filadélfia é chamada de ‘Cidade dos Murais’”.
O projeto começou há 25 anos e se tornou um dos maiores do gênero no mundo. Uma pequena ideia que virou uma grande ação. Um quarto de século depois, os visitantes podem experimentar (sim, este é o verbo mais adequado para a arte de rua) mais de três mil murais. Eles estão por toda parte, nas paredes dos prédios e até debaixo das pontes. Misturam vários estilos de grafite. Há desenhos bem detalhados, próximos do que se pode chamar de realismo. Geralmente mostrando aspectos da vida local, apostam na profundidade (herança do renascimento) e na riqueza das cenas e personagens. Há outros mais rudimentares, como o que exibe traços orientais em Chinatown. Em comum, todos mostram um colorido que chama a atenção.
Naturalmente, é quase impossível conhecer um a um. E isto realmente é frustrante! No entanto, a existência de tantas manifestações, espalhadas pela cidade, é a quase certeza de que em algum momento o visitante vai se deparar com uma delas. E isto é fascinante!
Para facilitar a vida dos turistas, o programa “Mural Arts Tour” inclui um minirroteiro, o “Mural Mile”. São 17 pontos de visitação - entre os mais icônicos da cidade - pelo centro de Filadélfia. Tentei seguir o percurso, mas abandonei-o no meio – algo de que me arrependo (meu tempo era um tanto escasso). O trajeto passa pelo bairro chinês, à oeste da área histórica (sentido rio Delaware-prefeitura), e parece mais difícil de seguir do que sugere o mapa disponível no site do programa.
Ainda assim, apesar de ter visto apenas alguns poucos murais (certamente não os mais expressivos), pude sentir a força desse tipo de arte, uma arte que vem das ruas, é feita nas ruas, para as ruas. É, como cita o texto do site do projeto, “um símbolo do poder transformador da arte”. Uma iniciativa que ajuda a contar a história de uma cidade vibrante, a segunda maior da costa leste (perde apenas para Nova York), uma mistura de cidade pequena, cidade grande (à la Kerouac) num único lugar.
Uma arte cuja expressão revela-se em meio ao vai-vem de gente, vendedores, turistas, moradores... As já famosas ruas de Filadélfia são mesmo assim: repletas de vida, repletas de história, repletas de arte. Por isso, estando lá, deixe a preguiça de lado e simplesmente vire a esquina e siga em frente. Caminhe despreocupadamente. Logo um dos murais vai surgir à sua frente. Aí, pare, olhe, aprecie (sem moderação!).








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