Bratislava, a capital da
Eslováquia, é simpática. Não encontro palavra que a defina de outro modo, ou de
um melhor modo. Não é a maior das capitais europeias, ao contrário, tampouco a
mais bonita. Está longe de ser a mais famosa ou a mais visitada pelos turistas.
Não é a que possui o melhor isto ou o maior aquilo. Na verdade, é ignorada por
quase todo mundo que não vive no leste europeu – e, por conseguinte, por grande
parte dos turistas, inclusive pelos que fazem a tradicional rota ao seu redor,
que inclui Hungria, Áustria e República Tcheca.
Ainda assim, a cidade é
simpática. E a simpatia – e elegância e charme e encanto – reside justamente em
tudo o que ela não possui. Tivesse Bratislava um grande museu de arte e
fatalmente o comparariam aos praticamente incomparáveis National Gallery e Tate
Modern, de Londres (Inglaterra), ou então ao Museu D´Orsay e Centro Georges
Pompidou, em Paris (França). Tivesse um grande museu de antiguidades e inevitavelmente
diriam que não se compara aos congêneres londrino (British Museum) e parisiense
(Louvre).
Tivesse um grande monumento e
jamais se igualaria em importância à Torre Eiffel, por exemplo. Tivesse uma
enorme catedral e dificilmente rivalizaria com as colegas europeias. Sequer o
famoso Danúbio, o rio que cruza a cidade, tem ali a fama que dispõe em outras
capitais pelas quais desfile suas águas amarronzadas (não, o Danúbio não é
azul, mas isto é assunto para outra postagem).
Bratislava não tem uma grande
catedral, um grande museu, um grande monumento (não, aquela torre moderna e feiosa
na entrada da cidade, que mais parece um disco voador, não merece ser considerado
um monumento, embora tenha virado ponto turístico), não possui sequer uma
grande praça ou um grande jardim. Em qual outro lugar, porém, você vai se
deparar com um casal de bonecos apaixonado, ela morena, ele com cabelo
avermelhado, bigodão e dentes à mostra, sorriso estampado no rosto, carinhosamente
abraçados num banco em frente à loja? E também em frente a um café? Não, não é
um casal apenas, são dois, três, quatro talvez...
E eles estão juntos do homem
que, findo o trabalho na rede de galerias, descansa tranquilamente, esboçando
até um certo sorriso, com o queixo apoiado sobre as mãos cruzadas. E também com
o outro que, alegre, caminha pelas ruas centrais com chapéu na mão, como se
estivesse saudando os demais. São os personagens que fazem a fama (fama?) de
Bratislava: bonecos feitos de pano ou de ferro, provavelmente colocados pelos
comerciantes (os casais apaixonados) ou pelo poder público (os bonecos de
ferro) apenas para alegrar moradores e visitantes (ou terão alguma outra ignorada
função?). Sim, porque em Bratislava ninguém é turista: o aconchego da cidade
convida para que se entregue a ela com carinho, como alguém que visita um parente
querido ou amigo e senta-se à mesa para tomar um café.
Com o frio típico da região,
um café aliás é convidativo. Entre em qualquer estabelecimento do gênero ao
redor da hlavné námestie, a praça principal na língua local, e deixe o tempo
passar apenas observando. Repare na tranquilidade exposta no rosto das pessoas,
nas feições típicas de alguém conhecido, descubra uma menção ao Brasil numa
parede, pegue um jornal e divirta-se com as palavras totalmente desconhecidas,
esqueça compromissos e horários. Bratislava é assim, um convite ao deleite.
Falar sobre atrações
turísticas é um risco: a cidade possui algumas igrejas, o centro histórico é
repleto de prédios antigos (fora dessa região a cidade é moderna como outra
qualquer, o que inclui um certo trânsito – bem pouco, é verdade -, uma estação
de trem um tanto precária, casas e prédios sem nenhum atrativo especial), mas
nada que seja absolutamente indispensável. Além da praça central, talvez o ponto
mais conhecido seja o castelo do século 10. Localizado no alto de uma colina,
ele domina a paisagem: pode ser visto de longe, quando se chega à cidade, logo
adiante da ponte nova (a mesma do tal disco voador). Perto de outros castelos europeus...
(a-há, mais uma comparação impossível). Bem, perto de outros castelos ele não é
bonito nem imponente (embora se destaque na paisagem pela localização
privilegiada), mas é o castelo de Bratislava – um ícone local, o que lhe
confere o carinho dos moradores. A imagem do castelo está estampada em vários
lugares, no grafite num túnel para pedestres que leva do centro histórico à
cidade nova, na gravura que enfeita a fachada do museu histórico da cidade ou
num quadro exposto na fachada de uma loja de souvenir (ou suveníry em eslovaco),
ambos na praça central.
Chegar a esta praça exige
cruzar o Michalská veza, ou Portão de São Miguel. Trata-se de uma torre de 51
metros feita originalmente em estilo gótico no século 14, depois modificada, exibindo
no topo a figura do arcanjo bíblico que dá nome à estrutura. Além de passagem
para o passado, ou melhor, para o centro histórico, a torre é o ponto zero da
cidade: uma placa no chão indica as direções norte, sul, leste e oeste.
Já na parte antiga, não
faltarão ruas estreitas (a mais famosa, porque mais estreita, é a Bastová, logo
à direita depois de cruzar o portão da torre) e úmidas (porque quase eternamente
sombreadas) com o tradicional calçamento de pedras. Ah, não se esqueça de
caminhar – lentamente, respeitando o ritmo local – até as margens do Danúbio.
Fica bem pertinho, será um passeio agradável. De lá, basta olhar à direita e
será possível ver a ponte nova (e o disco voador, na verdade um mirante) e o
castelo. Ele, sempre ele...
Em tempo: embora possua uma história milenar, Bratislava tem apenas 20 anos como capital da Eslováquia (ou República Eslovaca, o nome oficial da nação). O país ressurgiu após a queda do comunismo no leste europeu, a chamada Cortina de Ferro, tendo sido desmembrado da então Tchecoslováquia em 1 de janeiro de 1993. A capital tem pouco mais de 400 mil habitantes e fica a cerca de 60 quilômetros de Viena, a capital austríaca.
* As fotos são minhas, de Paulo Venâncio e Lúcia Parronchi