A primeira impressão em Budapeste não foi das melhores.
Sendo sincero, foi pouco satisfatória. Primeiro o GPS nos levou à periferia da
periferia da periferia. Nem sinal de hotel – o máximo que se via na rua eram
alguns casebres de concreto e de madeira. “Eu juro que tinha uma estação de metrô perto
quando fiz a reserva”, exclamei.
Corrigida a rota, um trânsito semelhante ao de São Paulo
atrasou em pelo menos meia hora nossa chegada, o que nos forçou a ir direto
para o Parlamento, onde tínhamos reservado horário do único tour guiado em
espanhol, às 16h. Depois de rodar, rodar e rodar, chegamos ao local, mas não
havia lugar para estacionar – as poucas vagas eram da chamada área azul e não
tínhamos ainda moeda local (que apelidamos de "xereca" dado o nome quase impronunciável) para colocar nas maquininhas.
Perdendo hora, recorri ao jeitinho brasileiro – no bom
sentido do jeitinho. Entrei num dos poucos estabelecimentos comerciais da área
(cheia de prédios oficiais), um salão de beleza, expliquei a situação e pedi
para me darem as moedas suficientes para pagar o parquímetro em troca de
quantos euros pedissem. A gerente foi simpática e quebrou o galho.
Quando chegamos ao Parlamento, cerca de 100 metros adiante,
a decepção. A recepcionista não nos deixou entrar porque estávamos atrasados.
Apelei para o sentimentalismo, afinal já tínhamos feito o pagamento dos
tíquetes pela Internet, mas não teve jeito. Passeio – e dinheiro – perdido.
No hotel, o gerente foi logo avisando: “temos uma boa e uma
má notícia”. A má: houve um problema no encanamento e não havia quartos
disponíveis. A boa: tinham nos transferido para um hotel da rede, o Novotel, muito bem
localizado. Ainda assim, um inconveniente num primeiro momento.
Finalmente instalados, hora de ir às ruas. E as primeiras
impressões foram as piores possíveis. A cada quarteirão, duas ou três trolhas
de móveis, roupas e objetos velhos deixados na calçada. A cada monte (não eram
montinhos, eram montões), grupos de pessoas - alguns andarilhos possivelmente -
caçavam o que podiam aproveitar. Parecia um monte de lixo e entulho cercado de
gente mal vestida e mal cheirosa – e, sim, carregávamos uma boa dose de
preconceito para quem vive no Brasil.
Lembro de termos trocado impressões de incredulidade: “como,
afinal, uma das cidades mais citadas nos roteiros românticos, considerada
encantadora, podia permitir que as pessoas simplesmente jogassem todo aquela
tralha nas calçadas, em plena área histórica, onde passavam milhares de
turistas?”
Aos poucos, porém, Budapeste foi se revelando. Aquela
Budapeste narrada pelos poetas, cantada pelos músicos, pintada por artistas e
cenário de filmes se apresentava. Já naquela mesma noite, depois de tantos
infortúnios, a cidade tornara-se encantadora e bela. Velha e descuidada em
muitos pontos, mal preservada em outros, mas isto tudo também era parte da magia
de Budapeste.
Talvez em nenhuma outra capital (são seis) pelas quais passa, o Danúbio esteja tão em sintonia com o redor de suas margens. Talvez em nenhuma
outra cidade as águas amarronzadas do famoso rio tenham companhia tão nobre
quanto a do belíssimo Parlamento húngaro.
E, Justiça seja feita, aqueles montes de objetos descartados
sumiram das calçadas já no dia seguinte, o que me levou a crer tratar-se de uma
certa tradição dos fins de tarde e noites de sextas-feiras na capital: promover
uma espécie de feira de descarte do que não serve mais. E, reparando bem, até
que os montes tinham lá sua
organização. E assim flanamos com prazer pela região. Afinal, Budapeste é, antes e acima de tudo, uma cidade.
Simples assim...