Caminhava eu sozinho
À noite olhando para o chão
De repente eu vi uma figura
Que de longe tocou meu coração
À noite olhando para o chão
De repente eu vi uma figura
Que de longe tocou meu coração
E parecia tudo tão irreal
Aquela luz azul e era afinal
Enquanto eu caminhava ela desapareceu
Foi num piscar de olhos, não sei como aconteceu
Aquela luz azul e era afinal
Enquanto eu caminhava ela desapareceu
Foi num piscar de olhos, não sei como aconteceu
Imediatamente eu comecei a procurar
Aquela garota eu preciso encontrar
Mas essa cidade é tão imensa
Não sei seu nome nem como lhe chamar
Aquela garota eu preciso encontrar
Mas essa cidade é tão imensa
Não sei seu nome nem como lhe chamar
Linda garota de Berlim!
Linda garota de Berlim!
(“Garota de Berlim”, de Rodrigo Andrade)
A Áustria tem uma série de atributos e um deles,
indiscutivelmente, é a música. Ela está espalhada pelo seu território de
diferentes formas e por variados motivos. Salzburgo, por exemplo, é a terra
natal de Mozart. Estão lá a casa onde o músico morou e as ruas que ele
percorreu. Sua presença é vista em toda parte: nas fachadas de prédios, na
decoração das vitrines das lojas, nas tradicionais embalagens de chocolate que
servem de souvenir. Em Viena, as grandes casas de ópera – e as respectivas e
concorridas apresentações – constam de qualquer guia turístico.
Nos Estados Unidos, conheci Nova Orleans, o berço do blues e
de toda a história que este estilo carrega, com fortes ligações com a arquitetura, a geografia e a gastronomia locais. Lá, dizem, a música está por toda parte,
em qualquer esquina, à beira do Mississippi, tocada por indivíduos solitários ou
grupos animados. Ecoa pelas portas e janelas da famosa Bourbon Street, ainda que
não seja sempre e necessariamente o bom e velho blues.
Foi, porém, na Alemanha que tive uma experiência mais íntima
com a música. Uma não, várias. Todas numa mesma cidade. Poucos lugares no mundo
soaram-me tão musicais quanto Berlim. Tudo ocorreu de diferentes formas e por
variados motivos. Com sucessos de ontem (que se tornaram clássicos) e de hoje
(que provavelmente serão esquecidos tão logo surja um novo sucesso em
decorrência da falta de qualidade do anterior e assim sucessivamente).
A primeira manifestação foi puramente mental. Tão logo comecei
a flanar pela cidade observando as pessoas e a paisagem, uma música veio à
mente. Um toque punk, imagens exóticas, um cantor loiro, quase branco, de
cabelo acentuadamente espetado, óculos escuros e roupas invariavelmente
extravagantes, coloridas e vibrantes. Agitado, elétrico mesmo – o que, diga-se,
combina perfeitamente com a eletrizante capital alemã. Recordo-me das vezes em
que vi o cantor misto de punk e mauricinho, filho de políticos famosos (ele
senador; ela deputada, prefeita e ministra), carregando laços com família
quatrocentona paulistana, invadir (e em algumas ocasiões quebrar) cenários na
TV ao som de uma tal “motocicleta endiabrada”. Era, contudo, outra música de Supla
que não saía da cabeça. Um refrão simples, repetido exaustivamente, contagiante.
A história de encontros e desencontros com uma “linda garota de Berlim” - "Hey, Punk, wo kommst Du denn her? Bist Du neu hier? (De onde você vem? Você é novo aqui?)".
De repente entro no metrô e, trajeto após trajeto, noto o
que me parece ser uma marca local: músicos e cantores, aspirantes a artistas e
imigrantes pobres, entram e saem dos vagões entoando canções diversas em busca
de alguns trocados. E foi assim que vi o romantismo invadir o espaço, rompendo
o silêncio reinante por meio de toques suaves que emanavam do saxofone (ou algo assim) e do violão. E “nada
vai mudar o meu amor por você...”. Emocionado, busquei no bolso da calça as
moedas restantes (em euro, o que não é pouco para uma gorjeta) e as entreguei
ao músico que estendeu uma caixa ou boné, não lembro ao certo.
E num trajeto seguinte, pai e filho com aspecto marcadamente
do exterior, pele morena de sol, cabelo preto e traços latinos, ligam
uma desgastada caixa de som, com toca-CD e alto-falante, e de lá surgem acordes
conhecidos. Entreolhamo-nos, os três que me acompanhavam e eu, um tanto
incrédulos. E ao mesmo tempo felizes pela repentina – e solene, foi no que
aquela experiência se transformou para nós – ligação com a distante terra natal.
“Sábado na balada...”. Pai e filho começaram a cantar - num português quase
perfeito, com um suave sotaque que reforçava a latinidade de ambos – aquela que
virou o mais recente exemplo de sucesso da “música (popular?) brasileira” mundo
afora.
Parênteses: eu já havia me deparado com a mesma música,
tocada pelo rádio improvisado numa moto ou bicicleta ou algo semelhante, numa
esquina de Nova York um ano antes. A canção estava no auge e começava a
conquistar o mundo (para tristeza de muitos). Eu estava com um ex-colega de
trabalho fã de música sertaneja e congêneres (como o tal sertanejo
universitário – o que isto afinal significa?) quando ouvimos os conhecidos
versos. Ele me olhou sorrateiro, sorriu e disparou: “Está vendo, até aqui em
Nova York”. E eu fui forçado a me render à realidade: Michel Teló estava no
topo das paradas de sucesso.
De volta ao metrô de Berlim, surpresos e com certo prazer, começamos
a acompanhar a dupla que improvisava um karaokê (pai e filho cantavam junto com
a música original que saía pelo alto-falante, o que ajudava a disfarçar a total
falta de qualidade vocal de ambos). “Nossa, nossa, assim você me mata...”.
Empolgados e exibidos (afinal éramos os únicos passageiros que conheciam a
letra), fomos subindo o tom, um puxando o outro. “Ai se eu te pego, ai ai se eu
te pego...”.
Pegamos a onda, mas não pagamos o show. Apesar de nosso
entusiasmo, o recurso do karaokê não valia a exibição. Faltava arte, ainda que
uma mera tentativa; sobravam ruídos (nem a qualidade da caixa de som valia). E
também não havia moedas. Pai e filho devem ter ficado desapontados, já que
tinham exibido um largo sorriso ao notar nossa empolgação com a apresentação. Certamente
ficaram – ao menos até entrarem no próximo vagão.
Já eu, de volta à rua, segui observando a paisagem e as pessoas. “E
passou a menina mais linda...”. Seria a “linda garota de Berlim?”
* A música que abre esta postagem, citada no texto, na
verdade foi gravada pela banda Tokyo, que tinha Supla como vocalista. Depois
ele assumiu carreira solo e manteve a canção em seu repertório e é desta parte
da história que eu me recordo.