B - I - C - I - C - L - E - T - A

Na onda mundial do ecologicamente correto, as ciclovias ganham cada vez mais notoriedade como alternativa para o caos do trânsito nas médias e grandes cidades. Além de serem uma solução limpa, as protagonistas desta história, as bicicletas, acrescentam uma funcionalidade interessante à paisagem urbana. Isto pode ser visto em Amsterdã, a capital da Holanda, onde elas – por incrível que seja para nós, brasileiros – têm a preferência moral nas ruas, contando com o respeito dos motoristas.
As bicicletas também merecem destaque no dia-a-dia em Munique, na Alemanha, onde há uma rede de ciclovias perfeitamente integrada ao sistema de transporte (as ciclovias compartilham espaço com os pedestres nas calçadas, livrando as ruas). Em muitas outras cidades, os ciclistas são importantes não só como alternativa ao tradicional sistema de transporte, mas também como símbolos do conceito de uma vida saudável e de uma localidade sustentável.
No entanto, em nenhum outro lugar esse “veículo de duas rodas presas a um quadro, movido pelo esforço do próprio usuário” (segundo definição do Wikipedia), confere um charme especial à paisagem urbana como na Itália. Nas pequenas ou grandes cidades, individualmente ou em projetos coletivos (como o das bicicletas que podem ser alugadas pela comunidade nas ruas de Milão), este aparentemente rudimentar meio de locomoção se integra à perfeição ao estilo de vida. Por estilo de vida entenda-se a arquitetura das cidades, a vestimenta das pessoas, o cotidiano.
Nas ruas, vê-se facilmente gente nova e velha em bicicletas modernosas e arcaicas, não importa. Senhoras elegantes com suas sacolas de compras, senhores elegantes carregando os jornais do dia, homens e mulheres entrando e saindo do banco, pegando ou largando suas bicicletas, como na Piazza San Michele, em Lucca. Foi nesta cidade que vi um homem parcialmente calvo, óculos escuros, calça jeans e jaqueta marrom claro de camurça, pedalando tranquilamente sua já um tanto surrada e enferrujada bicicleta.





Ah, este veículo cujo nome deriva do latim “bi” (dois) e “kyklos” (rodas), “bicycle”, “bicyclette” ou simplesmente “bike” foi cantado em verso por Toquinho: “sou eu que te levo pelos parques a correr, te ajudo a crescer e em duas rodas deslizar, em cima de mim o mundo fica à sua mercê, você roda em mim e o mundo embaixo de você. Corpo ao vento, pensamento solto pelo ar, pra isso acontecer basta você me pedalar. Sou eu que te faço companhia por aí, entre ruas, avenidas, na beira do mar, eu vou com você comprar e te ajudo a curtir picolés, chicletes, figurinhas e gibis. Rodo a roda e o tempo roda e é hora de voltar, pra isso acontecer basta você me pedalar”.
Na Itália pedalar é um estilo de vida. E as bicicletas são parte do jeito italiano de ser e viver. Com lanterninhas ou cestinhas, brancas, amarelas ou vermelhas. Se alguém duvida, basta olhar para aquele conhecido objeto de duas rodas deixado na esquina em frente à Piazza della Repubblica, em Florença, ou em frente à Salumeria G. Albertini em meio a peças de carne suína, alho, azeite e vinho, numa rua quase deserta perto do Duomo, em Verona. Quem há de negar, ao olhar estes flagrantes nas imagens que ilustram esta postagem, que a bicicleta não faz parte do cenário? Quem há de negar que ela não combina com a paisagem? Quem há de negar que lugares assim ganham vida com a presença deste “objeto-veículo-de-duas-rodas”?
E para quem acha exagero tudo isto, vá dizer que as bicicletas não possuem personalidade e não transferem isso para a paisagem urbana? Têm personalidade porque são únicas e carregam em suas entranhas – bancos, aros, guidões, selins – as marcas de seus donos (ou seriam companheiros de vida?). Até quando despojadas de marcas pessoais e ainda que uniformemente perfiladas, elas possuem uma aura inexplicável. Ainda que às vezes aparentem estar abandonadas à própria sorte, recostadas em antigos muros de pintura descascada, tijolos aparentes à vista... Basta que se misturem à urbanidade ao redor e pronto, estará feita a mágica. A mágica transformação de um simples objeto de duas rodas - cujos traços remontam ao final do século 15, desenhados por um tal Leonardo Da Vinci - em um ser capaz de fazer ir e vir... Ir e vir a vida!




PS: detalhes sobre o projeto Bike Mi, desenvolvido em Milão, podem ser obtidos aqui.

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