A neve é bonita e capaz de mudar – e encantar – qualquer
paisagem, urbana ou rural, mas não deixa de ser neve. Em outras palavras e de
modo mais simplório, gelo. Água em estado sólido, capaz de derreter com um leve
aumento da temperatura.
Então você acorda e vê tudo branco à volta. Saí às ruas e
caminha sobre uma superfície fria e lisa – e perigosa. Até que a manhã vai
avançando e aquilo que era sólido começa aos poucos a se desmanchar. E o que
era uma superfície dura e uniforme de repente vira uma massa pastosa e molhada.
Talvez ainda mais perigosa. Se a isto for acrescentada a chuva, tem-se um cenário
quase impeditivo para um passeio.
Foi mais ou menos isto que encontrei em Ottawa, no Canadá,
em 23 de abril cinzento de 2012. Com a queda da temperatura, a chuva fina que
caía durante a madrugada condensou-se, mudando bruscamente a paisagem ao longo
do caminho entre Montreal e a capital canadense. Rapidamente, o cenário foi
sendo tomado por uma brancura estonteante. Primeiro veio a euforia – “Olha
isto, é neve!”, como já descrito neste blog. Euforia de turista brasileiro
(“Moro num país tropical...”).
Logo veio a realidade. Frio e uma certa desorientação (a
neve tem a capacidade de igualar tudo ao redor, como se formasse uma massa
branca contínua, camuflando árvores e arbustos e telhados e fachadas etc). E um
chão escorregadio. Um tênis – ainda que das melhores marcas - e uma simples
calça jeans efetivamente não são as vestimentas mais adequadas. Ambos gelam e
molham com extrema facilidade.
Logo descobri que a neve é realmente bela e mágica, mas
difícil para um passeio. Exige perícia para caminhar, roupas e acessórios
adequados para suportar (a temperatura e a água que surgirá em algum momento)
e, acima de tudo, disposição para enfrentar (uma saída para um lugar qualquer).
Por mais que a neve desperte um entusiasmo inicial, será quase inevitável querer
se refugiar em algum espaço protegido, quente e seco. Bendito Rideau Centre!
Bendito abrigo de ônibus!
Acredite: se você não se cuidar, o tênis vai molhar, a meia
vai encharcar e você provavelmente vai se irritar. E o seu passeio vai quase
literalmente por água abaixo – ou adentro. E sua lembrança da neve será uma
bela imagem gravada na mente e uma experiência ruim em termos práticos. Ok,
para quem mora num país tropical e nunca tinha visto aquilo, tudo é festa. Bem,
aquela festa pela qual você tanto esperou e na hora “h” choveu, mas ainda assim
uma festa.
Basta ter espírito para celebrar. Viva a neve!
PS: a imagem é meio infantil, eu reconheço, mas é normal na
primeira vez na neve: o branco dominando a paisagem fica parecendo chantilly. E
quando este branco intenso se encontra com as fachadas escuras dos prédios,
parece um bolo de chocolate coberto com chantilly. E se as fachadas forem
coloridas, que tal um “cupcake”?
Ok, eu admito que não só a imagem despertada na mente é
infantil como também algumas de nossas reações. Eu, por exemplo, quis pegar um
bocado de neve na mão para sentir se de fato ela é gelada (alguém tinha me dito
que não e de fato você não tem a sensação de frio que domina o ar). E ela não
derrete (claro, a temperatura faz do lugar uma imensa geladeira natural). E ela
parece uma massa cremosa quando vista de modo uniforme, mas quando a gente pega
na mão nada mais é do que um pedaço de gelo como outro qualquer (o que é óbvio,
eu sei).