O Tejo


Também vem lá do Reino de Toledo, 
Cidade nobre e antiga, a quem cercando 
O Tejo em torno vai, suave e ledo,
Que das serras de Conca vem manando. 
A vós outros também não tolhe o medo
Ó sórdidos Galegos, duro bando, 
Que, para resistirdes, vos armastes, 
Aqueles cujos golpes já provastes.
 
(“Os Lusíadas”, 10, Canto IV)

O Tejo, sangue corrente do organismo lusitano, energia vital da alma portuguesa. Poucos rios em todo o mundo estão tão enfronhados no âmago de um povo como o Tejo. Curiosamente, este gigante nasce na Espanha, o vizinho íntimo de séculos, ora aliado, ora inimigo. Transcorre mais de mil quilômetros até desembocar no Atlântico, até encontrar sua amada Lisboa.
Foi um português que tão bem cantou o Tejo. Foi um português que o transformou em protagonista de uma das mais épicas histórias que o mundo já conheceu. O Tejo, nascido espanhol, porto seguro da “ocidental praia lusitana”.

Com toda esta lustrosa companhia
Joane forte sai da fresca Abrantes, 
Abrantes, que também da fonte fria 
Do Tejo logra as águas abundantes. 
Os primeiros armígeros regia 
Quem para reger era os mui possantes 
Orientais exércitos sem conto 
Com que passava Xerxes o Helesponto.
 
(“Os Lusíadas”, 23, Canto IV)

A foz do Tejo é como um mar, uma imensidão de água que chama a atenção. Suas águas brilham beijadas pelos raios do sol. Suas águas caminham tranquilas por debaixo das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, o heroico português. Um heroi navegante, que das águas do Tejo partiu rumo às índias em 8 de julho de 1497. E ao mesmo Tejo voltou anos depois, triunfante, para colocar na história as glórias do reino de Portugal.
O rio que soprou as naus e caravelas rumo ao Oriente ajudou na descoberta de um novo mundo. O rio que dá vida a Lisboa ajudou a destruí-la durante o grande terremoto de 1755. Ele, porém, tem resistido por séculos e séculos. Banhando a cidade, unindo-a ao oceano, dando-lhe amplitude. Eis o segredo do Tejo: ele foi decisivo na ampliação do território e, principalmente, do orgulho português.

Cantava a bela Deusa que viriam
Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,
Armadas que as ribeiras venceriam
Por onde o Oceano Índico suspira;
E que os Gentios Reis que não dariam
A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
Provariam do braço duro e forte,
Até render-se a ele ou logo à morte.

(“Os Lusíadas”, 10, Canto X)

Hoje, como dantes e como sempre, o Tejo banha Lisboa. Proteje e envolve a capital lusitana. Separa-a do resto do mundo e a une aos outros. Representa o passado na Torre de Belém e o futuro no Parque das Nações. Transforma e transmuta. Suas correntes movem moinhos e sonhos, inspiram histórias e vidas.
Esverdeadas, suas águas formam com o azul do céu (ou o cinza nos dias nublados) um belo conjunto natural. Um quadro completado pelos contornos de uma cidade que serve de porta de entrada para a Europa. E que um dia serviu de porta de saída para o mundo. Há mais de cinco séculos, o Tejo assistiu aos primórdios de um novo tempo. Viu passar por seu caudal os princípios da globalização.

Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento sempre manso e nunca irado,
Até que houveram vista do terreno
Em que naceram, sempre desejado.
Entraram pela foz do Tejo ameno,
E à sua pátria e Rei temido e amado 
O prémio e glória dão por que mandou,
E com títulos novos se ilustrou.
 
(“Os Lusíadas”, 144, Canto X) *

Sereno e manso, bravo e forte, eis o Tejo de amor e morte. O espanhol rio lusitano. Sim, nascido na Espanha, mas a caminho e à procura de Portugal. É para lá que ele vai, é para lá que suas águas correm. Para as outrora vitoriosas – hoje lamuriosas - terras portuguesas. Vai ao encontro do povo que de braços abertos o recebe. O povo que cantou a sua glória e que o fez grande e soberano. “Pátrio Tejo”, escreveu o sábio Camões.
Definitivamente, Lisboa não seria a mesma se não fosse tocada por esse rio. Portugal não seria o mesmo se não fosse cortado por esse rio. O mundo não seria o mesmo se não tivesse esse rio protagonizado tantas partidas. Salve, pois, o velho Tejo!

Nem deixarão meus versos esquecidos
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora
Fizeram, só por armas tão subidos,
Vossa bandeira sempre vencedora:
Um Pacheco fortíssimo, e os temidos
Almeidas, por quem sempre o Tejo chora;
Albuquerque terríbil, Castro forte,
E outros em quem poder não teve a morte.
(“Os Lusíadas”, 14, Canto I)

* Grafia como no original, que pode ser lido aqui em domínio público.

** A foto que ilustra esta postagem foi tirada pelo amigo Cristiano Persona

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