Um encontro de 5 mil anos

Sempre gostei de história. A história da Antiguidade me atraía ainda mais. Adorava ler da Idade Média ao Antigo Egito. Daí a nutrir uma enorme curiosidade pelos artefatos egípcios e pelas múmias foi um passo. Sempre que via reportagens sobre estes temas, ficava fascinado. Será que um dia teria a oportunidade de conhecer o Egito?
Quando criança, esta era minha idea fixa. Quase uma obsessão. Conhecer o Egito. Trinta anos depois, ainda não realizei este sonho, mas posso dizer que já me deparei com pedaços do Egito em vários cantos do mundo. E nunca pensei que meu primeiro encontro com uma múmia seria em... Nova York!
Quando fui para a “capital do mundo” pela primeira vez, em 2007, estava ansioso para conhecer o Museu de História Natural. Queria ver os dinossauros (sobre isto escrevo em outra oportunidade). Era tanta ansiedade que nem me dei conta dos outros tesouros que veria pelo caminho, no Metropolitan e no MoMA, só para citar dois expoentes da cidade.
E foi no Met, como ele é chamado entre os mais íntimos, que descobri estar a poucos passos do Egito. Quando vi no folheto do museu a seção egípcia, senti um calafrio. Com certeza ali haveria uma múmia. Quanta inocência. O setor egípcio do Met é simplesmente faraônico!
Primeiro foi um sarcófago. Fantástico! Depois, esculturas e pinturas e a reprodução de uma tumba. Mais sarcófagos, de vários tipos – de pedra e madeira. Pergaminhos e hieróglifos por todos os lados, em todas as paredes. E eis que elas surgiram. Enfaixadas, desnudas, melhor preservadas, mais marcadas pelo tempo, múmias, muitas múmias.
Confesso que fiquei extasiado.

Como já ressaltei neste blog, viajar é mais do que estar num lugar, é senti-lo. E naquele momento eu me sentia em outro mundo, num mundo de quatro, cinco mil anos. Cinco mil anos de história estavam ali, inacreditavelmente, à frente dos meus olhos. E pensar que aquele corpo, inerte, um dia governou o que foi na época a maior civilização da Terra.
É impossível não pensar quanta sorte tem a humanidade diante da preservação dessa cultura milenar. É impossível não se admirar diante de tanta grandiosidade e beleza. É impossível não sonhar.
E quando me cansei de tanta história, surgiu um templo histórico. O Templo de Dendur. Sim, é original. Foi um presente do governo egípcio aos EUA devido à ajuda norte-americana para salvar a estrutura de um alagamento provocado pela construção de uma barragem no lago Nasser. O templo está no Met desde 1978. Seus 642 blocos pesam mais de 800 toneladas e foram levados aos EUA pelo navio SS Concordia Star
Curiosamente, o templo foi erguido por ordem do imperador Augusto durante o domínio romano sobre o Egito, no ano 15 a.C. Era uma homenagem a dois “santos” da localidade onde ficava, filhos de Quper – pelo que li, não se sabe o motivo das duas figuras terem sido “santificadas” na região. O Templo de Dendur renovou a disposição de viver o Egito. E por mais alguns minutos, talvez horas, mantive-me numa jornada que havia me levado pela primeira vez a uma das mais antigas civilizações do planeta, o tão desejado Egito.


Desde então, outras múmias surgiram nas minhas viagens. A essa altura, já são tantas que o setor egípcio de locais como o British Museum e o Louvre sequer despertaram tanta atenção – o que pode ser considerado uma heresia museológica e histórica. Que seja. O que sei, mais de dois anos depois daquele primeiro encontro, é que a primeira múmia a gente nunca esquece. Principalmente quando se sonhou com ela durante anos e anos.
PS: só para se ter uma ideia do caso dessa doação do Egito aos EUA, veja a seguir o templo em seu local original.

* A foto logo acima foi retirada de um trabalho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP disponível na Internet. As demais são minhas e dos amigos Cristiano Persona e Kelly Camargo, que compartilharam essa aventura comigo.

Nos arredores de Madrid

Quem se atreve a abrir mão de uns dias em Madrid para conhecer seus arredores não se arrepende. Em poucos lugares é possível, com uma viagem de meia hora, ir de Roma para a Baixa Idade Média e de lá para o Absolutismo. Ao redor da capital espanhola, estão Toledo, Segovia e Aranjuez, três localidades únicas e completamente distintas. Todas acessíveis facilmente por trem em viagens que vão exigir pouquíssimos euros. Um dia é suficiente para as visitas (no caso de Aranjuez, vale até meio dia).

Toledo é uma cidade com características medievais. Ainda guarda uma muralha, que esconde e protege ladeiras e ruelas que levam a uma viagem no tempo. Situada na beira do rio Tejo (sim, ele nasce na Espanha e desemboca em Lisboa), a cidade exige muita caminhada – mas não se preocupe: o prazer superará o cansaço. E ainda que você queira parar algum tempo para descansar, terá à disposição uma vista enebriante.
E descansar talvez seja mesmo preciso, pois Toledo tem algumas – muitas – subidas (um calçado confortável é fundamental). Como uma típica cidade medieval, sobram igrejas ainda que falte espaço. A principal delas, a Catedral de Toledo, é uma joia (e guarda várias joias e relíquias, como a Bíblia de São Luís, rei da França, datada do século 13). O altar dourado é dos mais bonitos da Europa. A arquitetura é fenomenal, em estilo gótico. Sua história, idem. A construção é do século 13.

Como a Península Ibérica esteve sob domínio árabe durante décadas, as marcas dessa presença estão por toda parte. Em Toledo, não podia ser diferente. O curioso é que, embora a cidade tenha sinagogas e mesquitas, sua catedral serviu também para os mouros. Aliás, durante esse período, Toledo teve grande importância política. Curiosamente, uma das mais famosas sinagogas locais, a de Santa Maria La Blanca, erguida no século 12, foi entregue no século 20 à Igreja Católica.

Em Aranjuez, fica um dos muitos palácios usados para períodos de férias de reis e rainhas - embora já tenha servido de residência real na época dos Reis Católicos Fernando e Isabel. Chegar até ele exige uma boa caminhada desde a estação de trem, mas o caminho é tranquilo e repleto de árvores, o que confere um ar um tanto bucólico ao passeio. O palácio é conhecido como uma miniatura do de Madrid - quem conhece o original logo vê as semelhanças, principalmente na área interna (a sala do trono, por exemplo, é uma cópia da original).
Datado do século 16 (houve várias reformas posteriormente, inclusive após um incêndio, tal como ocorreu no de Madrid), o Palácio de Aranjuez está bem servido de móveis e objetos (aliás, nisso os espanhóis estão muito à frente dos colegas franceses e ingleses. Em relação aos primeiros, levam a vantagem de ainda terem uma família real, o que contribui para o cuidado com o passado real; em relação aos últimos, que também preservam a tradição imperial, têm a vantagem de abrir mais seus espaços ao público).
Passear pelos cômodos e pelos jardins (banhados pelas águas do Tejo) de Aranjuez é se deparar com a história viva, contada em paredes, pinturas, roupas, berços... Lá, é possível ver até antigos modelos de bicicleta que serviam de diversão para os pequenos nobres.

Em Segovia, outro palácio real chama a atenção, embora de estilo completamente diferente. O Alcázar foi uma edificação moura (a primeira menção a ela data de 1120), que depois serviu de morada para os reis espanhois (na verdade, de reinos da Espanha ainda dividida). Foi lá, por exemplo, que Isabel, a Católica, foi coroada rainha de Castela em 10 de dezembro de 1474.
O estilo arquitetônico islâmico é evidente em suas grandes paredes.
Uma característica interessante do Alcázar é seu fosso (o primeiro que vi num palácio tal como se conhece dos filmes) – o que exige uma ponte para alcançar seu interior. Perto dos palácios de Madrid e Aranjuez, a sala do trono do Alcázar é muito modesta (bem modesta!). Seu interior guarda armaduras e canhões (nada comparável à magnífica Armería, a sala das armas, do Palácio Real de Madrid) e pinturas, entre outros objetos mais simples.
Tão importante quanto o Alcázar, outro marco de Segovia faz dela um exemplar raro nos arredores de Madrid. Ninguém irá chegar ao famoso palácio sem passar pelos arcos do antigo aqueduto romano – construído nos séculos 1 e 2, é prova de que a cidade já estava lá muito antes dos mouros chegarem à Península Ibérica (veja detalhes abaixo). Escalar os arcos por uma escadaria é obrigação. Lá de cima, vê-se a cidade onde o antigo e o novo convivem com uma relativa harmonia.

Em tempo: os mouros invadiram a Península Ibérica no ano 711 (século 8), quando derrotaram Rodrigo (tinha que ser...), o último rei visigodo de Toledo. Foi o período da Conquista Árabe ou Islâmica. A Reconquista Cristã durou toda a Idade Média e foi dada como concluída em 1492, justamente no reinado de Isabel e Fernando de Aragão, os Reis Católicos.

* As imagens de Toledo são minhas; a de Aranjuez é do site oficial do Patrimônio Nacional da Espanha e as de Segovia são do Wikipedia (as minhas, nestas duas últimas cidades, não são digitais).

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