Na boca do vulcão

A recente erupção de um vulcão na Islândia, que paralisou o tráfego aéreo na Europa (leia mais aqui), trouxe-me à mente um episódio vivido há 11 anos. Até 1999, meus únicos contatos com um vulcão eram as viagens para Poços de Caldas (MG). Dizem que a região fica na cratera de um antigo vulcão, daqueles de outras eras. Ou seja: o contato se restringia a uma história.
Entre novembro e dezembro de 1999, porém, estive de fato na “boca do inferno”. O nome é Hakone, uma cidade a cerca de duas horas (menos de 100 quilômetros) de Tóquio, no Japão. Ela fica no Parque Nacional Fuji Hakone Izu. O local é conhecido pelas termas e por proporcionar uma bela vista do Monte Fuji (na verdade um vulcão adormecido há centenas de anos, mas que pode acordar a qualquer momento...).

O parque tem várias atrações. A mais surpreendente delas exige que se pegue um teleférico. Floresta acima, chega-se a uma estação. Após uma breve caminhada, a paisagem verde dá lugar a ares um tanto desérticos. O solo é seco e rochoso. Inevitável não notar a fumaça, muita fumaça. Saindo do chão! E o cheiro quase insuportável de... enxofre! Enxofre + fumaça saindo do chão + topo de montanha = vulcão?
Não conseguia acreditar na sensação de estar no topo de um vulcão de verdade – calma, não havia cratera com lava escorrendo nem explosões, mas não deixou de ser uma cena inédita. Emocionante. Confesso até um pouco aterrorizante. Bela. Inesquecível. Mais um sonho se realizava, estar num vulcão.
A região de onde saem os chamados fumos vulcânicos (pelo que pesquisei, é a fumaça expelida pelos vulcões) é conhecida como Owakudani. Trata-se de uma área em torno de uma cratera surgida na última erupção do Monte Hakone, há cerca de três mil anos (ufa!). Apesar de tanto tempo ter passado, o local ainda é uma zona vulcânica ativa (a fumaça e o enxofre não negam...). Vapores sulfurosos (este é o nome correto – em química, enxofre é sulfur) brotam constantemente do chão, bem como água quente.
Quente a ponto de cozinhar ovos. Sem brincadeira! Os ovos de Hakone são famosos no Japão. Reza a tradição que quem os consumir ganha mais sete anos de vida. É preciso pagar, claro. Meu pai testou. Os ovos são escuros, pretos mesmo, por causa do enxofre. Ficam em grandes caixas (dá para ver na foto). Você compra, pega ali mesmo, retira a casca e garante a longevidade. Ir a Hakone e não experimentar ao menos um ovo é o mesmo que ir a Roma... bem, todos conhecem o ditado.
Obviamente que a mistura de ovo com o forte cheiro do enxofre traz uma sensação não muito agradável. No Brasil, é comum indagar-se “Você comeu ovo podre?” quando surgem certos tipos de gases (perdoe-me, mas é a melhor comparação possível). Pois em Hakone não tem jeito: você se sente em meio a uma grande colônia de ovos podres (pelo cheiro, registre-se, porque os tais ovos da vida longa são frescos).
E não é só o cheiro: o vapor pode fazer mal à saúde (como alertou a Organização Mundial da Saúde agora no caso da Islândia). Uma placa alerta os visitantes para que não cheguem até Owakudani caso tenham problemas no coração, no pulmão, entre outros. O tal gás sulfúrico (ou seria sulfuroso?) pode ser fatal!

A região abriga também o lago Ashi (Ashinoko em japonês), surgido na cratera do vulcão também na última erupção, entre outros pontos turísticos. O passeio de barco pelo local vale a pena. Com sorte, você terá uma bela vista do Monte Fuji. E ainda que não o veja, relaxe. Aprecie a paisagem e lembre-se: não é todo dia que você navega na cratera de um vulcão ativo.

Postagem em destaque

A Veneza verde do Norte

A tecnologia que empresas suecas levam mundo afora hoje em dia não é um acaso. O país tem vocação para invenções e descobertas. O passado v...

mais visitadas