Imagine só. Fosse por aqui, já diriam: “Nossas cidades não têm
parques sequer para as pessoas, como criar um parque só para os cachorros? Que
despautério!”. E assim convivemos todos, homens e cães, dividindo espaços,
levando mordidas, pisando em “cacas” que os donos, mal-educados, fazem questão
de não limpar – ao contrário de lá, onde até ricos e famosos passeiam com seus
cães carregando sacolinhas nas mãos para qualquer eventual emergência.
Sim, os cães são felizes na América. Se faz frio, eles são
fortemente agasalhados. Ou, conforme a raça e porte, agasalham a si mesmos. Ou
a dupla – de cães, frise-se! – flagrada nas frias ruas de Montreal num domingo de
abril, descendo a rue Saint-Paul rumo à capela de Notre-Dame de Bonsecours, perto
do Bonsecours Market, precisava de aquecedores? Os donos, estes sim, também naturalmente
felizes com seus cães felizes na América, contraíam os músculos numa tentativa
quase vã de espantar a baixa temperatura.
Chova ou faça sol, os cães estão lá, felizes. Estão na
América. E os cães, lembre-se, são felizes na América. Passeiam seguros, só com
seus donos ou em grupos de amigos, como crianças de um parque infantil indo
para uma festa. Virou até profissão – passeador de cães. Sim, eles merecem, os
cães. Um passeador que os leve para lá e para cá. Ele, o passeador, com bota
plástica, boina estilo italiano, calça verde, camisa social, blusa despachada
na cintura, traje tipicamente americano (ou italiano) – serão os cães felizes
na Itália?
Porque sim, na América, os cães são felizes. Vão e vêm
tranquilamente, ainda que seja uma tarde levemente chuvosa. Passam em frente ao
Metropolitam Museum, ignorando que ali ao lado estão guardados verdadeiros
tesouros da humanidade, mas ainda assim são felizes. Pelos devidamente
aparados, brilhando, desfilam o charme e a elegância dos que sentem a
felicidade bater no peito.
E no dia seguinte, quem sabe uma manhã de sol, ainda tímido,
mas sol, querendo brilhar em
Nova York , não seja a hora de um passeio pelo Central Park. O
quê? Você leu Central Park, um dos pontos mais importantes da maior cidade dos
Estados Unidos, um dos parques urbanos mais famosos do mundo, palco de
tragédias e glórias? Sim, você leu Central Park porque, afinal, os cães são
felizes na América.
Lá vão eles acompanhar seus donos numa caminhada errante,
descompassada, num papo descompromissado (dos donos, não dos cães), em passadas
calmas (dos cães e dos donos), a contemplar a paisagem do dia que apenas se
apresenta. Nas mãos, um copo tipicamente americano (ou seja, grande),
provavelmente de café. Nas cabeças, bonés. Nas pernas, calça térmica para
suportar o friozinho de uma manhã dominical de abril, recém-entrada primavera.
Blusas, óculos, fone de ouvido. Proteção e diversão. Para os donos. Para os cães, desta vez nada. Pelos à mostra, patas desnudas. Mesmo assim, os cães são felizes. Eles estão na América. E não se
esqueça: os cães sempre são felizes na América.
Não, não tenha inveja deles, os cães. Eles não sabem o que
fazem. Nasceram lá por acaso. O acaso os levou até a América. São tão inocentes
e humildes que chegam a exibir a mesma cara lavada, perdida, triste até
(tranquilize-se, é só aparência, mero e conveniente disfarce) dos colegas aqui
do sul, os latino-americanos terceiro-mundistas (hã-hã, somos emergentes, não é
isso?). Pergunte para os nossos cães.
Sim, eu sei, o mercado de “pet shops” cresce, crescem os
cuidados, os gastos, animais cada vez mais bem aparados, mas repare: “pet shop”.
Assim, em inglês. Sabe
por quê? Talvez seja porque os cães são felizes na América...
PS: este texto deveria ter sido escrito a quatro mãos. Assim
pensei, assim planejei. Não deu. Quem sabe numa próxima – as mãos que faltaram,
desconfio, não gostam muito de escrever (nem de ler...).
Em tempo: o título desta postagem foi dado pelo amigo
jornalista Carlos Giannoni de Araujo numa conversa informal durante uma viagem.
Ele se encantou pelos cães da América, os que aparecem nas fotos e tantos
outros encontrados pelo caminho. E constatou: “os cães são felizes na América”.
* A segunda foto é do amigo Cristiano Persona, que também
se encantou pelo passeio dos cães em Nova York.
As demais, como já ficou evidenciado, são do Carlos.