Uma segunda chance para Hamburgo

Não gostei de Hamburgo. À primeira vista – que fique claro! Suponho, porém, ter sido injusto com uma das cidades mais importantes do norte da Alemanha. Se já achava isto antes, acabei de crer após ler o artigo de Frank Bruni feito para o “New York Times Syndicate”. “E assim Hamburgo (...) permanece uma espécie de mistério, fadada a se tornar uma descoberta empolgante”, citou o autor.
Olhando agora em retrospectiva, Hamburgo é realmente uma bela cidade. Nela, há um grande lago cercado de belas edificações, que representam uma bela paisagem e que rendem belas fotos. A cidade também é banhada pelo rio Elba, que lhe presenteia com belos canais e a faz ser comparada (um pouco forçosamente, é verdade) com suas colegas mais famosas, como Amsterdã.



Hamburgo tem ainda belas ruas residenciais (como a Isestraβe). Bairros tranquilos, com construções tipicamente germânicas, que recebem um belo toque da natureza, com árvores formosas que fazem a área parecer um enorme jardim – decorado na primavera com o colorido das flores e no outono com o tom das árvores perenes. Em muitos momentos, a cidade exibe um ar cosmopolita – é a segunda maior da Alemanha em habitantes. Suas universidades e seu agito cultural a tornam eletrizante.Com tantas qualidades, afinal o que me fez não gostar tanto de Hamburgo?A primeira má impressão se deveu à condição de ser banhada pelas águas. Cidade portuária, mais propriamente falando. Como em todo lugar com essa característica, há um certo ar praiano numa determinada região – e o ar praiano vem geralmente acompanhado de uma certa sujeira e tipos às vezes mal-encarados. Em relação à organização exemplar de Munique, a capital da Bavária, tive um certo choque. Sim, eu sei, você que conhece Hamburgo não precisa me chamar de louco; eu deixei claro que foi apenas uma impressão.
Também me causou certa estranheza a presença maciça de árabes numa determinada área, a das compras populares. Uma grande colônia, pareceu-me. Sim, eu sei, isto denota certo preconceito, que eu assumo e justifico: é impossível não carregarmos mundo afora os traços positivos e negativos de nossa cultura – e nossa cultura ocidental não foi preparada para entender o mundo árabe. Pura ignorância, admito (em tempos politicamente corretos, esta admissão pode até soar perigosa, mas prefiro a verdade dos sentimentos, ainda que estes estejam errados, à falsidade).
Hamburgo, claro, não é nada disso. Ou é também isso – e este “também” é apenas e tão somente uma pequena parte de seu grandioso todo. Como toda cidade grande, suas ruas pulsam com o sangue do seu povo. Como toda cidade grande na Europa, sua gente vai às ruas protestar contra o que considera injusto – foi assim que vi um ato em favor dos cidadãos de uma determinada região da África (os manifestantes, registre-se, devidamente acompanhados por guardas brutamontes).


As ruas de Hamburgo revelam também traços culturais do povo. Foi lá que vi uma das cenas mais inusitadas e chocantes das minhas andanças: na calçada, um carrinho de bebê deixado na porta de uma loja, enroscado num pequeno poste. Nele, uma criança resmungando. Quando cheguei perto, vi sair da loja uma bela mulher, puxando na coleira seu cachorro. Saiu calmamente, pegou o carrinho e partiram os três, mulher, bebê e cachorro.
Hamburgo também ficou na memória pela gentileza da atendente do hotel, que permitia usar o computador do escritório para fazer consultas e enviar e-mails e que ajudava com indicação de endereços e destinos; pelas frutas diferentes que davam mais sabor e conhecimento ao café da manhã; pelo clima agradável, que misturava um ventinho típico e um sol tímido, ambos tradicionais do outono.
Famoso porto alemão, Hamburgo foi ponto de partida de milhares de pessoas que emigraram há mais de cem anos, carregando amarguras e esperanças. Partiram rumo à América, aos Estados Unidos em maior escala, ao Brasil... Rumo ao desconhecido. Em terras tupiniquins, estabeleceram colônias, fincaram raízes (o bairro dos Pires, na minha Limeira, está aí como exemplo).
Foi em busca da origem desta história que partimos – um casal de amigos e eu – rumo a Hamburgo. Ele, pesquisador da imigração europeia de cunho particular para a região de Limeira; ela, assistente. Após um dia todo na estrada, cansados, nossa primeira parada foi numa lanchonete de “fast-food” (e não há cidade que possa ser bem-vista com uma escolha assim...).
Foi, pois, atrás de história que partimos. E, em Hamburgo, descobrimos um tesouro chamado “Link to Your Roots”, o elo dos emigrantes (do ponto de vista alemão; para nós, imigrantes) com suas raízes. Na enorme biblioteca municipal, de fachada com tijolos vermelhos mais parecendo uma antiga fábrica e gigantescos bonecos obras-de-arte para recepcionar os visitantes, depositamos um exemplar da história de uma dessas emigrantes, Carlota Schmidt.
O que quero dizer com tudo isso? Que além de bela e eletrizante, Hamburgo tem história. Muita história. Uma história intimamente ligada à nossa. Milhares de quilômetros distante, uma história ligada por sonhos, um elo entre passado e futuro. Se hoje os árabes e tantos outros estão lá presentes é porque Hamburgo também soube – e sabe – acolher os que nela buscam uma nova vida.
Então, por que mesmo eu não gostei de Hamburgo? Deixa pra lá... A cidade definitivamente merece uma segunda chance. Ou melhor, eu mereço uma segunda chance em Hamburgo. Fui eu que a ignorei (basta reparar na foto com o belo prédio da prefeitura ao fundo; magnífico exemplar da arquitetura local, a famosa Rathaus se exibia à frente e eu não lhe dei o devido valor).
Afinal, como escreveu Bruni no artigo para o NYTS: Ninguém diz para você o quanto Hamburgo é bonita”.



* Em duas fotos estou com Maria Helena Heflinger, assistente de pesquisas do projeto “Imigração Resgate”. As fotos são de arquivo pessoal e são reprodução das originais, feitas sem a tecnologia digital.

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