Os degraus que levam a Deus

Os degraus que subi levavam ao topo (não necessariamente à glória). Foram muitos, milhares. Cansei, sofri e sorri. Tive dores e alívio. Essa história começou em Colônia, na Alemanha, cuja catedral é sua marca principal. Em estilo gótico, cheia de agulhas e com as marcas escuras da poluição em sua fachada, ela é chamada pelos locais como Dom (catedral em alemão). É a Kölner Dom.
A bela construção medieval – com torres de 157 metros de altura - exige um esforço de pouco mais de 500 degraus para atingir seu topo. É uma subida árdua, em escada espiral de pedra, com degraus gastos, em trechos onde mal passa uma pessoa (numa via de mão dupla; quem sobe vai pela parte interna do degrau, mais estreita). A construção, que levou séculos para ser concluída (teve início em 1248 e só terminou no final do século 19), chegou a ser a mais alta do mundo.
Quando lá estive, ventava muito, um vento frio que cortava a alma. A vista, porém, recompensou. A cidade, encantadora em terra, é fantástica vista do ar. Observar o caudaloso Reno logo ao lado descendo tranquilo é inspirador. Olhar as casinhas grudadas umas às outras, como aquele brinquedo de tijolinhos da infância, é bastante interessante.
À belíssima paisagem que nos salta aos olhos soma-se o que não mais se vê. Saber que aquela igreja está ainda ali, de pé, com todo o seu esplendor, numa cidade que foi praticamente destruída na Segunda Guerra Mundial (a ponte próxima, que corta o rio, foi derrubada no conflito, por exemplo) reforça a sensação divina que o lugar emana.


Colônia, porém, foi apenas a primeira de algumas igrejas que desafiaram minha coragem e meu físico para me colocar mais perto dos anjos. Depois dela vieram a Catedral de São Paulo, em Londres (Inglaterra); e os Duomos de Milão e Florença, ambos na Itália.
Saint Paul (no original em inglês), na capital inglesa, tem na cúpula o ponto máximo de sua arquitetura, tanto externa quanto internamente. É a segunda maior do mundo. Por fora, a estrutura é tão grandiosa que pode ser vista de vários pontos de Londres – o que confere ao templo um valor simbólico incomum numa cidade de tantos símbolos. Por dentro, pode ser observada do chão ou de pertinho, do alto. De baixo, tem-se a noção da altura e da grandeza da obra. Do alto, na área interna, os bancos viram um conjunto de pontinhos (uma pequena abertura no chão, com uma tapadeira provavelmente em acrílico, permite visualizar o chão); pelo lado externo, vê-se a cidade e todo o horizonte (Londres é basicamente plana e sem grandes arranha-céus). A sensação é de estar acima do mundo.
Para isso, contudo, é preciso enfrentar centenas de degraus, com alguns poucos pontos de parada. Confesso que fiquei estafado da subida e posterior descida, a ponto de desmoronar no primeiro banco que se apresentou, já de volta ao piso térreo. É, de fato, um desafio para estar mais perto do céu, mais perto de Deus.




Em Florença, fui parar no alto do Duomo por acaso. O dia estava chuvoso e vi uma fila na lateral da igreja. Pensando em me proteger da chuva dentro do templo, entrei na fila. Quando me dei conta, já estava próximo de uma porta estreita, que dava acesso a uma escadaria – que se revelaria longa, escura, penosa, sacrificante, praticamente sem pontos de parada.
Como tenho mania de contar os degraus, sei que foram mais de 500. Há pontos em que só uma pessoa passa. Chegar ao topo exige ainda que se suba por uma pequena escada de ferro, que dá para uma espécie de porta de alçapão (ou seja: o acesso definitivamente é pouco recomendável para quem tem alto grau de claustrofobia).
A catedral de Florença impressiona (é a quarta maior igreja da Europa). A cúpula, de 1463, é uma obra-prima de Bruneleschi, conforme li em algum lugar. No alto, a pintura revela toda a genialidade do artista: o visitante tem a impressão de ver uma espécie de sacada repleta de pessoas quando na verdade é só perspectiva
Não é do templo propriamente que pretendo falar e sim da sensação que se tem quando se chega ao topo. Florença é linda vista de qualquer lugar. Do alto do Duomo, torna-se bela e divina. Embora o chuvisco que caía dificultasse a visão (para quem usa óculos, como eu), ver a torre do campanário tão perto e perceber que se está sobre uma das estruturas mais magníficas que a mão do homem já foi capaz de fazer traz uma paz de espírito indescritível.




  

Em Milão, o impressionante Duomo tem uma das mais belas arquiteturas de toda a Europa no que diz respeito a igrejas. Na fachada, uma clareza que resplandece e no telhado, dezenas de agulhas que se assemelham a um exército perfilado. Chegar ao topo, porém, ao contrário das suas colegas em Colônia, Londres e Florença, não exige nenhum esforço: basta pegar o elevador.
Lá, é possível pisar literalmente no telhado de mármore, liso e escorregadio (não se preocupe, isto vale para a área central, não há riscos). Dali, as agulhas soam ainda mais harmoniosas. Tem-se a plena sensação de estar perto de algo divino – talvez pela proximidade da estátua dourada da Madonnina de Perego.
Definitivamente, os degraus que subi me levaram ao topo (não necessariamente à glória). Ao topo de igrejas, mais perto de Deus.

* A foto da catedral de Colônia foi feita numa máquina antiga, de filme - daí a qualidade inferior e a ausência de mais fotos (lembre-se que os filmes eram caros e só permitiam no máximo 36 poses...)

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