Banhada
pelas águas escuras do oceano Atlântico, Boston tem na sua região portuária uma
confluência perfeita de cores quando o céu está invernal – ou seja, cinzento. O
tom de algodão levemente chamuscado do céu encontra-se no horizonte com o mar
escuro, berço de dezenas de veleiros branquinhos que desfilam calmamente por águas
tranquilas. Ali, o conjunto de prédios - sempre um belo “skyline” à beira-mar -
confere contornos modernos a uma cidade antiga, fundada pelos ingleses em
meados do século 17.
Por mais que
a paisagem convide à introspecção, a presença humana na área ao redor, próximaao agitadíssimo Quincy Market, impede a chegada de resquícios de tristeza. Aos
poucos, você começa a ver naquele mar escuro encontrando com aquele céu
cinzento toques impressionistas capazes de transformar qualquer possibilidade
de melancolia em paz. Olhando com atenção, é possível enxergar até suaves
matizes de azul no céu.
A alegria
humana com a paz transmitida pela natureza dão a essa área de Boston uma
vibração diferente, típica de cidades que têm algo a dizer e a mostrar. E a
capital de Massachussetts tem muito a revelar. Olhe novamente para o céu, azul
brilhante. Repare como ele combina com o verde das árvores e o vermelho
característico dos prédios de tijolos que emolduram a cidade, tais quais os
tijolinhos daquele brinquedo de infância. Junte muitos deles e verá Boston.
Do alto, a
mistura de cores torna-se ainda mais marcante na medida em que cada uma (o
vermelho dos tijolos, o verde das árvores, o azul do céu) vira uma massa
uniforme. Mais uma vez, não é difícil enxergar nisso tudo tons impressionistas.
No trecho em
que a urbanidade é cortada transversalmente pelo rio, sente-se facilmente a
manifestação da natureza – que, acrescentada pelos pequenos barcos e veleiros,
ou seja, pela presença do homem, dá à noção de vida um novo sentido.
E Boston é
assim: em cada fachada robusta, dura, escura, pedra sobre pedra, você verá um
toque da natureza, seja no brilho do sol reluzente refletindo no vidro do
prédio ou no jardim florido. Em cada canto silencioso, frio, solitário, você
ouvirá um som, ruído de vozes ou do espírito que insiste em se manifestar.
E se as cores
vistas até então não tiverem sido suficientes, é chegada a hora de conhecer o
Public Garden. Encravado no coração da cidade, ele é um alento aos olhos e à
alma. Na primavera-verão, transborda alegria com os muitos canteiros de tulipas
de todas as cores – lilás, amarela, vermelha, laranja, mescladas... Simplesmente
tulipas. Colorindo o gramado esverdeado, levando às árvores gigantes que
circundam o parque e margeiam o lago, onde famílias se divertem alegremente nos
passeios de pedalinho; patos e gansos nadam de um lado a outro; crianças
brincam ao som do velho professor e seu instrumento colorido e maluco e
ruidoso; casais trocam paixões deitados no chão, mães fazem piqueniques com os
filhos e todos correm atrás dos esquilos, que correm atrás das migalhas
deixadas pelas pessoas e dos frutos que caem das árvores. Tudo isto num único
quadrilátero entre a Boylston, a Arlington, a Beacon e a Charles Street.
E assim o
sol se põe no ponto mais vibrante de Boston, onde definitivamente a natureza
encontra o homem e o convida para um banquete, uma festa, um momento de
descanso que seja. Ali, crianças, jovens e adultos de todos os gêneros, cores e
amores saboreiam – enquanto observam a paisagem ao redor, observados pelos
prédios antigos e modernos – a delícia que é a vida. E se deleitam vendo o
tempo passar, ou parar. Porque Boston é capaz disto: transformar melancolia em
paz; tristeza em alegria; opacidade em cores.
PS: naturalmente, o título desta postagem tem uma leve inspiração no título de um livro que está fazendo bastante sucesso neste final de 2012 ("Cinquenta tons de cinza"). A inspiração, frise-se, não guarda nenhuma relação com o conteúdo do referido livro.
* As fotos são minhas e de Carlos Giannoni de Araujo