A garota da janela (ou um pedaço do Holocausto)

Sempre que vou a um lugar, procuro obter informações prévias para tornar minha visita mais produtiva. Foi assim que decidi ler “O Diário de Anne Frank” antes de uma viagem a Amsterdã. Para quem não sabe, Anne Frank foi uma garota judia que viveu – junto de sua família e de mais quatro pessoas – durante dois anos num sótão de um imóvel na capital holandesa, escondida do exército nazista. Para resumir a história, todos foram descobertos, presos e enviados a campos de concentração. Só o pai de Anne, Otto, sobreviveu.
Durante o tempo em que ficou naquele sótão, em meio a tantas privações e sofrimentos, Anne Frank escreveu um diário. É este material que resultou no emocionante livro (traduzido em mais de 70 línguas e incluído pela Unesco na lista de “Memórias do Mundo”), uma mistura de relatos até certo ponto tolos de uma adolescente de 15 anos que descobria a paixão com o dia-a-dia da guerra e a dureza dos bombardeios.
Hoje, o imóvel onde o grupo viveu foi transformado num museu, a famosa Anne Frank Huis – ou a Casa de Anne Frank. Foi uma forma de preservar a memória da garota e de todos aqueles que sofreram as atrocidades da guerra e, mais do que isso, de preservar essa importante e dolorida página da história e evitar que ela um dia se repita.
Dizer se a visita ao museu vale a pena depende de cada um. Obviamente, a Casa de Anne Frank não é o ponto principal de uma viagem a Amsterdã. Incluí-la no roteiro, porém, é um dever de qualquer turista que tenha um mínimo de noção do valor da história. Eu estava decidido a visitar o lugar!


A Casa de Anne Frank fica num daqueles típicos imóveis da capital holandesa, um tanto estreitos e altos. Está no número 263 da Prinsengracht, em frente a um dos inúmeros canais da cidade, e infelizmente teve parte de sua fachada coberta por um material metálico. O mais importante, porém, está dentro do prédio. Em seu interior, o visitante recebe informações sobre o holocausto de diversas formas, seja por meio de vídeos ou por cartazes. O momento mais importante da visita, contudo, é o acesso ao sótão onde o grupo de oito judeus viveu confinado durante dois anos. Está tudo lá: a estante que escondia a passagem secreta, os “quartos”, os rabiscos e colagens de artistas feitos por Anne Frank.
Eu confesso que me emocionei. Por um instante, optei pelo silêncio - que me soava perturbador - em respeito à memória dos que ali habitaram.
Uma visita desse tipo nos leva inevitavelmente a pensar sobre a condição humana.
A passagem pelos ambientes do sótão é meio rápida (o local é pequeno e formam-se filas para visitar o museu). Muitos sairão reclamando de terem gasto alguns euros inutilmente – afinal, não há ali nenhuma obra de arte ou coisa do gênero, apenas cômodos. Cômodos que revelam uma história que poucas obras de arte puderam um dia contar (longe de querer comparar valores, quero apenas reforçar a importância de se preservar lugares como a Casa de Anne Frank).
Desprovida de um significado histórico, de fato a visita pode não valer a pena. Mas é essencial para que o mundo jamais esqueça que somos todos um.

Em tempo: recentemente, foi divulgado o único vídeo existente da garota alegre e sonhadora que padeceu num campo de concentração. É de julho de 1941 e só podia ser visto no museu. Para saber mais, clique aqui.




* Depois do “Diário de Anne Frank”, li recentemente uma outra obra com temática semelhante. “O menino do pijama listrado” (“The boy in the striped pyjamas”), do irlandês John Boyne, aborda a questão também do ponto de vista de uma criança, justamente a partir do ponto no qual o diário acaba (ou seja, a ida para o campo nazista). A leitura é imperdível! Para quem preferir, o livro virou filme – ah, mas o livro é muito melhor!!!




PS: postagem feita em homenagem à memória de Miep Gies, a última sobrevivente do grupo que ajudou a cuidar dos oito judeus no esconderijo durante a Segunda Guerra Mundial. Ela morreu em Hoorn, na Holanda, no dia 11/1/2010, aos cem anos de idade.

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